EUA: propostas de lei permitem (e incentivam) estudo da Bíblia em escolas
Um número crescente de Estados americanos vem discutindo projetos de lei que permitem, incentivam e, em alguns casos, exigem que escolas públicas ofereçam aulas sobre a Bíblia.
Somente neste ano, pelo menos dez Estados já debateram propostas para que estudantes do Ensino Médio possam participar de aulas eletivas sobre o Antigo e o Novo Testamento e a influência da Bíblia na literatura, cultura e história dos Estados Unidos e do mundo.
Para os idealizadores, essas medidas seriam uma maneira de resgatar valores tradicionais nas escolas e permitir que os alunos estudem o texto religioso mais profundamente.
Apoiadores das propostas ressaltam que muitas das comunidades onde essas aulas são oferecidas são profundamente religiosas. Segundo eles, vários colégios ficam em áreas rurais onde quase todos os moradores são cristãos evangélicos, e os alunos costumam achar positivo a possibilidade de estudar a Bíblia na escola.
Mas críticos alertam que essas aulas podem violar a separação entre Igreja e Estado e citam a preocupação de que professores caiam em proselitismo. Segundo os opositores, estudantes que não são cristãos podem se sentir excluídos e há o risco de que as escolas violem a Primeira Emenda à Constituição, que impede o governo de dar preferência a determinada religião.
Em 1963, a Suprema Corte (mais alta instância da Justiça americana) decidiu que a leitura da Bíblia em escolas públicas é inconstitucional, mas permitiu que o texto fosse ensinado, desde que como parte de um programa secular, e não como religião.
"Essas propostas são descritas como ensino da Bíblia como literatura, como um curso secular", diz à BBC News Brasil a vice-presidente de Políticas Públicas da organização sem fins lucrativos Americans United for Separation of Church and State (Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado), Maggie Garrett.
"Mas nós sabemos, pela linguagem usada pelos autores e apoiadores desses projetos de lei e por experiência, que o objetivo real é ensinar religião em escolas públicas", afirma Garrett.
Princípios cristãos
Entre os Estados que recentemente discutiram a obrigatoriedade de que escolas públicas de Ensino Médio ofereçam cursos eletivos sobre a Bíblia está a Flórida. O deputado estadual republicano Mike Hill, coautor do projeto de lei, acredita que a retirada da Bíblia das escolas públicas, na década de 1960, teve efeito negativo na sociedade americana.
"A Bíblia está repleta de sabedoria. E acho que ninguém pode negar que precisamos de sabedoria nas nossas escolas e no discurso público atualmente", diz Hill à BBC News Brasil.
"Além disso, ao ler a Bíblia estamos retornando à fundação dos Estados Unidos. Desde os primeiros colonos que chegaram aqui até a maneira como nossa forma de governo foi estabelecida, tudo isso foi baseado em princípios cristãos", salienta.
Hill rebate as críticas de que essas aulas correm o risco de violar a Constituição e ressalta que os alunos podem escolher se querem participar ou não.
"O fato de sermos uma nação cristã não significa que vamos forçar todos a serem cristãos. É exatamente o oposto. Nós toleramos todas as religiões", afirma.
O deputado acredita que o crescente interesse em levar a Bíblia de volta às escolas se deve, em parte, ao presidente Donald Trump. Em janeiro, Trump tuitou uma mensagem de apoio aos Estados que estão apresentando projetos de lei do tipo.
O Partido Republicano, de Trump, conta com uma importante base de apoio evangélica e vê com simpatia essas iniciativas. Em 2016, uma menção a esses esforços foi incluída na plataforma oficial do partido, que encorajava os Estados a "oferecer a Bíblia em um currículo de literatura como (disciplina) eletiva nas escolas de Ensino Médio".
Esforço coordenado
Em muitos dos Estados em que foram apresentados, os projetos de lei não avançaram. No caso da Flórida, Hill afirma que pretende reapresentar a proposta no próximo ano.
Mas para opositores dessas medidas, o simples fato de tantos Estados analisarem propostas do tipo é preocupante.
Somente neste ano, foram apresentados projetos semelhantes em Dakota do Norte, Carolina do Sul, Flórida, Indiana, Mississippi, Missouri, Virginia e Virginia Ocidental. Alabama e Iowa já haviam considerado propostas do tipo no ano passado.
Até agora, o caso mais bem-sucedido é o de Kentucky, onde a lei foi sancionada pelo governador em 2017. Recentemente Arkansas e Geórgia também aprovaram suas leis.
A Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado diz que essas propostas são resultado de um esforço chamado Projeto Blitz, em que uma coalizão de grupos políticos conservadores redigiu e forneceu a legisladores estaduais modelos quase idênticos de projetos de lei sobre o tema.
"É um esforço da direita religiosa para aprovar leis estaduais com o objetivo de estabelecer uma nação cristã", diz Maggie Garrett.
"Em Deus Confiamos"
O Projeto Blitz é uma iniciativa do grupo conservador cristão Congressional Prayer Caucus Foundation, com participação da firma de advocacia cristã National Legal Foundation e da organização sem fins lucrativos WallBuilders. A BBC News Brasil tentou contato com a Congressional Prayer Caucus Foundation, mas não obteve resposta.
Entre os objetivos do Projeto Blitz está "proteger o livre exercício de crenças e valores religiosos tradicionais judaico-cristãos na esfera pública".
Segundo Garrett, além das medidas para incluir aulas sobre a Bíblia, a coalizão trabalha com propostas sobre vários outros temas, inclusive uma série recente de projetos de lei em diversos Estados determinando que escolas públicas exibam com destaque o lema nacional "Em Deus Confiamos".
A Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado enviou aos Estados uma carta de oposição ao Projeto Blitz, com assinaturas de 43 organizações nacionais, sendo 24 delas organizações religiosas.
Opositores dizem que uma alternativa seria oferecer aulas de religião comparada, sem foco em uma religião em particular, como algumas escolas já fazem. Garrett observa que a separação entre Igreja e Estado faz parte da fundação da nação.
"Garante que o governo não interfira em assuntos religiosos e que as nossas leis não sejam ditadas por nenhuma crença religiosa em particular. O governo não pode usar os impostos que o cidadão paga para educação religiosa e não pode dar preferência a determinada religião", diz.
"Acreditamos que a separação entre Igreja e Estado é a única maneira de termos verdadeira liberdade religiosa nos Estados Unidos", afirma.
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