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Não dá para ignorar a velhice

Lucila Cano

27/06/2014 06h00

Um final de semana prolongado com pessoas mais velhas - mulheres, na maioria -, em uma pequena cidade do interior paulista, me deu a confirmação do que muitos dizem e eu já desconfiava.

Se a velhice é uma fase difícil, senão a mais desafiadora, a proporção que ela toma depende, e muito, da maneira como a encaramos.

Tomei por exemplo duas senhoras nascidas, criadas e vividas na pequena cidade. Filhas de lavradores, desde cedo trabalharam na roça. Tiveram pouca escola, mas são lúcidas e leitoras assíduas de jornal diário que chega da capital.

Religiosas, ambas são viúvas faz tempo. Vivem em suas próprias casas, embora essas sejam contíguas às casas dos respectivos filhos, uma característica das famílias do interior.

As duas precisam se cuidar e controlar suas doenças. No entanto, cada qual tem um jeito próprio de viver e isso foi o que me fez pensar que os manuais de sobrevivência estão na caixa preta do cérebro.

Um acontecimento

Uma das senhoras tem 90 anos. É diabética e surda desde a juventude. Não se acostumou a usar aparelho, mas faz leitura labial com maestria. Anda devagar, apoiada em uma bengala, o que não a impede de fazer o que gosta. Adora plantas e dedica a elas boa parte do seu tempo. Cozinhar é outra das suas alegrias. Faz a sua própria comida todos os dias e capricha nos quitutes quando tem visita.

A despeito da surdez, não se apartou do mundo. Além da leitura diária do jornal, usa o recurso das legendas na televisão para assistir a todas as novelas e noticiários. Nos finais de semana, acompanha o filho e a nora que moram na casa ao lado, nos almoços em restaurantes da cidade e região.

No final de semana prolongado houve um casamento numa cidade próxima. Ela foi com o filho e a nora. Após a cerimônia religiosa, ficou na festa até as 3h da madrugada. No dia seguinte, entre sorrisos, disse a uma parente: “Tomei muito vinho, não devia, mas não comi doces”.

De temperamento forte, às vezes fica brava. Pouco reclama das dores do corpo e, no dia a dia, os sorrisos prevalecem.

Outra história

A outra senhora tem 89 anos. Sofre com a depressão instalada pelo avanço da idade. A surdez também chegou com o passar do tempo e, como a grande maioria de idosos, é refratária aos aparelhos.

A leitura do jornal a ajuda a se informar, mas fica em desvantagem na balança do cotidiano, pois ela não cultiva nenhum hobby. Não gosta de andar, não cozinha, não visita os parentes, não quer saber de passear. Assiste à televisão, mas apenas aos programas religiosos e em altíssimo volume. Fica à margem das conversas por causa da surdez e, é claro, isso a irrita.

A filha que mora na casa ao lado é o seu apoio para fazer desde o café da manhã até a última refeição do dia, passando pelo controle de horários para os remédios e muitas outras atenções.

Os dias dessa senhora são um suceder de “ais” e, no seu caso, os sorrisos são mais raros.

Maiores de 60 anos

Entendo que cada indivíduo é único e levar a vida com leveza não é patrimônio da maioria. No entanto, todo exemplo de vida mais prazerosa também é exemplo de vida mais ativa, de movimento, de participação, de convívio social.

O sexo feminino predomina no Brasil em uma relação de 100 mulheres a cada 96 homens. As idosas representam quase 12% do total de mulheres no país e estão mais presentes nos grandes centros urbanos das regiões Sudeste e Sul.

Diabetes e depressão são doenças sérias para homens e mulheres, principalmente idosos. Aqueles que conseguem extrair fórmulas de bem viver da caixa preta de suas cabeças lidam melhor com o peso da idade e merecem aplausos. Os que se entregam à depressão precisam de cuidados. Não só dos familiares, mas do governo, em todas as esferas.

O Censo de 2010 nos mostrou um país com cerca de 21 milhões de maiores de 60 anos, pouco mais de 10% da população. Até 2050 eles devem chegar a 29%, o que triplicará a participação de idosos no total de brasileiros.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.