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População dividida

Rede esgoto a céu aberto na Rua Caciqui, em Viamão (RS) - Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Rede esgoto a céu aberto na Rua Caciqui, em Viamão (RS) Imagem: Ronaldo Bernardi/Agência RBS

Lucila Cano

05/09/2014 06h00

A condição do saneamento básico no país foi um dos principais assuntos da última semana de agosto. Isso porque o Instituto Trata Brasil, em parceria com a consultoria GO Associados, anunciou os resultados do Ranking do Saneamento Básico nas 100 Maiores Cidades.

O Instituto avalia a situação do saneamento desde 2009, quando passou a divulgar esse importante estudo para quem vive nas cidades e para quem deve cuidar delas. O mais recente, apresentado em 27 de agosto, tem por base dados de 2012 do SNIS (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento).

Em termos comparativos, o ranking de 2013, a partir de dados do SNIS 2011, indicava que 61,40% da população tinham coleta de esgoto nas 100 maiores cidades, porém ela só chegava a 48,1% dos habitantes de todo o país. No ranking de 2014 pouca coisa mudou: 62,46% dos moradores das 100 maiores cidades têm coleta de esgoto contra 48,29% da população total do país.

Mas, a coleta é apenas uma fase do saneamento. Depois dela, é preciso tratar os esgotos e, aí, os percentuais são ainda mais baixos: 41,32% para as 100 maiores cidades e 38,70% para o país.

Universalização de serviços

Enquanto isso, a população cresceu quase dois milhões de habitantes de um ano para outro. Éramos 201 milhões em 2013 e, agora, somos 202,7 milhões de brasileiros desde 1º de julho deste ano, segundo anunciou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Esses números só confirmam que, de fato, temos dois brasis e eles, mais do que qualquer outro indicador socioeconômico, são separados pelo saneamento. E isso, não pelo confronto de regiões, embora a Região Norte ainda seja a mais abandonada. Salvo raras exceções, basta atravessar uma rua ou ir para o outro lado do rio que corta a cidade para conhecer outro Brasil, o do cidadão sem saneamento.

Existe uma lei (11.445/2007) que obriga todas as prefeituras a elaborarem o Plano Municipal de Saneamento Básico para que recebam recursos federais para aplicar no setor. Também existe um decreto (7.217/2010) que determina que, desde janeiro de 2014, o acesso a essas verbas só é possível mediante a existência de um plano.

Existe, ainda, o Plano Nacional de Saneamento Básico, conhecido como Plansab, que estabelece metas, diretrizes e ações de saneamento básico para o país até o ano de 2033. Aprovado por sete ministros de Estado e publicado no Diário Oficial da União em 6 de dezembro de 2013, o Plansab previa alcançar “92% no esgotamento sanitário, sendo 93% na área urbana” nesse prazo de 20 anos.

Independentemente da viabilidade de recursos estimados e metas pretendidas, o Plansab foi criado por um grupo de especialistas que reuniu representantes do governo, da sociedade e do setor de saneamento. Resultou em uma proposta integrada de serviços de saneamento básico da qual constam: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.

O que falta

Então, temos lei, temos decreto e um plano nacional de saneamento que parece bom. O que falta para o país avançar com a universalização do saneamento? Segundo o Instituto Trata Brasil (vale a pena conferir no site o desempenho das cidades), poucas das cidades avaliadas conseguirão alcançar a meta prevista para os próximos 20 anos.

Ao reunir material para esta coluna, me deparei com declarações semelhantes às que justificam o não cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos no que se refere à extinção dos lixões até 2 de agosto deste ano. Muitos prefeitos alegam não ter recursos, nem mão de obra capacitada para a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico. Bem poderiam, a exemplo de outros setores menos burocratizados, promover concursos e realizar parcerias.

A falta de saneamento faz mal ao país por inteiro. Os candidatos às próximas eleições deveriam aproveitar a oportunidade para propor soluções para este assunto. A população dividida agradece.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.