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Um passo para frente, dois para trás

Pedro Ladeira/Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
Lucila Cano

31/10/2014 06h00

Em agosto de 2010, o Congresso Nacional aprovou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e, assim, o Brasil deu um passo para frente. Estavam definidas medidas para melhorar a vida do povo brasileiro, entre elas acabar com os lixões a céu aberto. Isso, porque o manejo incorreto do lixo influi diretamente nas condições de saneamento e na qualidade da água, contaminando nascentes e águas subterrâneas.

A PNRS nasceu robusta. Englobou a urgência da reciclagem, a necessidade de implantação de aterros sanitários e a logística reversa. Instituiu a responsabilidade partilhada entre governos (união, estados e municípios), o setor produtivo e a sociedade civil. Estabeleceu prazos escalonados para que os co-responsáveis pelo seu sucesso se adaptassem à lei. Propôs multas e suspensão de investimentos federais para os municípios infratores.

O primeiro grande teste da PNRS seria em 2 de agosto deste ano. Era a data final para que os municípios acabassem com os lixões, depois dos quatro anos que tiveram para fazer a sua parte.

Decepção anunciada

Há poucos dias, em 14 de outubro de 2014, o Brasil deu dois passos para trás. A Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 651 que dá mais quatro anos de prazo para que os municípios acabem com os lixões e implantem aterros sanitários. Os motivos alegados pelas associações de municípios e, como tudo indica, acatados pelos deputados, são os de sempre: as prefeituras não têm especialistas, nem dinheiro, para elaborar o plano de gestão de resíduos exigido pela PNRS.

Em sua página, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) registra R$ 1,2 bilhão de recursos disponibilizados entre 2011 e 2014 para a implantação da política. Não é pouco dinheiro. Quanto aos especialistas, já escrevi em outra oportunidade e repito: pequenos municípios deveriam se unir para criar aterros sanitários que atendessem às necessidades da sua região. Além disso, pactos público-privados também poderiam ser uma boa saída.

Dos 5.570 municípios, 1.865 declararam possuir planos de gestão integrada de resíduos sólidos, segundo os números do MMA. São pouco mais de 33% do total.

Do plano para a ação, aqueles que dispõem resíduos em aterros sanitários são apenas 2.200, quase 40% do total, enquanto 59% declaram levar seus resíduos para lixões ou aterros controlados (?). Apenas 18% dos municípios têm coleta seletiva.

De acordo com a pesquisa Ciclosoft 2014, realizada pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) e divulgada em setembro deste ano, o percentual da coleta seletiva é um ponto menor: “Atualmente, 927 municípios têm algum tipo de programa de coleta seletiva, o que representa 17% do total de cidades em todo Brasil”.

Ainda estamos muito aquém das expectativas, principalmente das populações que seguem prejudicadas pela falta de saneamento às portas de suas casas e pelos problemas decorrentes do lixo, que oneram os investimentos do governo em saúde e estão entre as principais causas da diarreia na infância.

Esperança acalentada

Agora, resta-nos cruzar os dedos e torcer para que a Medida Provisória 651, que trata de incentivo à economia (?), seja vista com outros olhos pelos membros do Senado, para onde seguiu e onde tem prazo até 6 de novembro para ser aprovada, modificada ou perder a sua validade.

Caso o Senado modifique o texto, a MP deverá voltar para novo debate na Câmara. No entanto, se o Senado aprovar como está a medida provisória, que curiosamente propõe mais prazo para a extinção de lixões no mesmo documento, ainda há a esperança de que a presidente da República vete partes de tal medida. Vamos aguardar para saber.

A PNRS parece complexa por ser abrangente. Mas isso não pode ser empecilho para o país avançar em busca de soluções. Devemos continuar vigilantes. Nossa qualidade de vida depende da qualidade do ambiente em que vivemos.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.