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A pedra do ano

A Caverna de Naica, no México, guarda os maiores cristais de selenita do mundo - Divulgação
A Caverna de Naica, no México, guarda os maiores cristais de selenita do mundo Imagem: Divulgação
Lucila Cano

16/01/2015 06h00

Há anos, todo final de ano, a amiga Márcia me dá a pedra “da sorte” do ano seguinte. Ela não presenteia só a mim. Faz isso com todos os seus amigos e com os amigos dos seus amigos, gente que, muitas vezes, ela não conhece muito bem.

Mas, para ela, pouco importa o grau de amizade. O que importa é o sincero desejo que ela traz consigo de que todos tenham um ano feliz, acreditem ou não nas crenças dela, agradeçam ou não a gentileza do mimo. E olha que, coisa feia, tem muita gente que nem agradece.

A pedra de 2015 é a Selenita Branca, diz o folheto que acompanha o pequeno pacote que a Márcia prepara com esmero. Mais sobre os poderes da pedra não me cabe dizer, nem o folheto me permite, por direitos autorais.

Assim como a Litoterapia, na qual minha amiga põe fé, nossa existência é pontuada por crenças, simpatias, superstições, símbolos, receitas ditas “milagrosas” e muitos outros rituais que, muitas vezes, nos passam despercebidos porque já os incorporamos ao nosso modo de viver.

Convívio com as diferenças

O mundo é povoado por diferentes modos de viver e, segundo tudo indica, o respeito se mantém como o valor comum para que haja bom convívio com as diferenças. Se assim não fosse, líderes ocidentais não trocariam seus ternos por túnicas coloridas para se reunir com governantes chineses. Outros não se sujeitariam a trocar beijos com barbados do outro lado do mundo. Isso, só para citar duas situações muito frequentes nas relações globalizadas.

O respeito também se impõe como o idioma universal para dissipar o preconceito de posição social, raça, credo, idade, gênero, opção sexual, deficiência física ou mental. Poucos conhecem esse idioma a fundo e somos continuamente desafiados a aprender mais com ele.

São tantas as visões diferentes de mundo, que sempre nos faltam respostas para discernir sobre o que é certo e o que é errado. Questionar, então, parece ser um caminho. Humor corrosivo é desrespeito ou liberdade de expressão? Chamar o jogador negro de macaco é brincadeirinha ou preconceito? Ataques nas redes sociais são ofensas ou direito de opinião? O que é público e o que é privado em uma sociedade de “selfies” e imagens não autorizadas na internet? Atear fogo em ônibus é reivindicação de direitos ou vandalismo?

A lista de questionamentos pode se estender à medida que nos detemos em passagens do nosso próprio cotidiano e de como sabemos (ou não) lidar com elas.

Respeito e liberdade

A liberdade, assim como o respeito, é um valor muito precioso para ser banalizado. Houve um tempo em que se dizia que a liberdade de um vai até onde começa a liberdade do outro. É assim que exercemos e defendemos nossa liberdade, ou esse conceito já foi flexibilizado?

Neste início de um novo ano, os ataques terroristas na França foram um duro golpe à liberdade. A intolerância escolheu a “Cidade Luz”, uma vitrine do mundo, para exibir seu poderio e incitar o ódio. Lembremos, entretanto, que todos os dias ela extermina populações fragilizadas que só almejam o direito de professar suas crenças.

A guerra contemporânea tem cobertura da mídia em tempo real e armas sofisticadas. Mas, como todas as guerras, em todos os tempos, é um embate do conhecimento com a ignorância. O que precisamos fazer para tirar o respeito do limbo e cultivar a tolerância? Como preservar a liberdade sem reprimir as diferenças? Qual é a disciplina que precisamos estudar mais para evoluir como seres livres do preconceito e da intolerância?

Peço desculpas por tantas perguntas sem respostas, mas, neste momento, acredito que quanto mais nos perguntarmos, mais teremos condições de refletir sobre o que somos, o que fazemos e o que queremos.

Bom seria se tivéssemos Selenitas Brancas em profusão para distribuir pelos quatro cantos do mundo. Mas, é preciso aceitar que nem todos acreditariam nos seus fluídos benfazejos. Outros, então, jogariam as pedras fora e nem agradeceriam.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.