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Piores momentos do Carnaval

Lucila Cano

03/03/2017 04h00

Ao contrário de pessoas em localidades próximas a mangues, no Norte, Nordeste e na cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, os moradores vizinhos da Rodovia Transamazônica e os caminhoneiros ali estacionados não precisaram se vestir de lama para pular o Carnaval. Já antes dos festejos, eles estavam cobertos de lama, impedidos de seguir adiante para tocar a vida.

As pessoas ali confinadas, cada qual com seu problema, e os caminhões lotados de grãos foram notícia nacional por um dia. Mereciam um acompanhamento contínuo, como faz o jornalismo político, ou o esportivo, para que o resto do país se mantivesse atento aos fatos e cobrasse ações imediatas, eficazes, duradouras dos órgãos do governo.

O Carnaval terminou. A turma do mangue deve ter tomado um banho para voltar à rotina, mas aquelas pessoas detidas pelo caos, personagens do bloco “Confinados da Transamazônica”, provavelmente continuam ali, à espera de providências. Sim, a chuva passa, a lama seca e o povo agradece a providência divina.

“Todo ano é assim”, disse uma senhorinha ao repórter da televisão. Todo ano o país perde vidas, cargas preciosas e o dinheiro necessário para construir, por exemplo, estradas e pontes que deveriam ser apenas isso: estradas e pontes que ligam um lugar ao outro com segurança para o fluxo de pessoas e veículos.

Há quase 40 anos, em “Bye bye Brasil”, um Cacá Diegues visionário nos mostrou uma Transamazônica de ilusões numa estrada que não levava a nada. Há quase 40 anos...

Altura da fama

Os acidentes com carros alegóricos nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro me fizeram lembrar de um tempo de rivalidades entre arquitetos de Nova York. Era o fim dos anos 1920 e o início da era dos arranha-céus. Uma torre em construção parecia ser a mais alta da cidade. Era o Empire State Building.

Ao mesmo tempo, o Chrysler Building também subia. Num lampejo de criatividade, o arquiteto desse último criou uma ponta de aço inoxidável, de altura correspondente a sete andares e celebrou a fama de ter construído o prédio mais alto da cidade. Na época, o mais alto do mundo. Pouco tempo depois, o Empire State foi concluído e, então, conquistou a fama de mais alto da cidade e do mundo.

A fama passageira não justifica acidentes graves que colocam em risco a vida de integrantes das escolas de samba, do público que vai para o Sambódromo e das pessoas que trabalham para a festa do Carnaval. Construir estruturas imensas e vulneráveis que depois são empurradas por pessoas é um despropósito.

Os organizadores dos desfiles --não só no Rio, mas em outros lugares do país (houve acidente fatal em Parintins)-- precisam tomar providências urgentemente. Não se trata apenas de punir os culpados pelos acidentes. Trata-se de propor limites, normas, regras a serem cumpridas em nome da segurança e da beleza dos espetáculos. Isso em nada afetará a criatividade, que o brasileiro tem de sobra.

Uma vida desperdiçada

De repente, no meio do Carnaval, um bebê recém-nascido (consta que era menina) é encontrado morto no lago do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Ah, as meninas, sempre preteridas na história de uma humanidade cruel. Crime bárbaro e, até o momento em que escrevo, de autor desconhecido.

O que leva um ser humano a descartar outro, como se fosse um saco de lixo, uma fruta podre para alimentar os peixes do lago? O desatino seria de uma jovem mãe desesperada, sem recursos e sem apoio familiar para sustentar um filho? Seria de um pai sob efeito de drogas, sem saber o que fazia? Seria uma vingança? De nada serve especular, nem julgar precipitadamente prováveis autores do crime.

O fato é que um crime bárbaro interrompeu uma vida. Acontece todo dia, toda hora, em todo o mundo. Mas, aqui entre nós, choca muito. Uma vida desperdiçada remete a sonhos frustrados, à miséria corroendo esperanças, à ausência de afeto, à dignidade perdida.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.