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Na Índia, brasileiras não saem sozinhas à noite para evitar assédio

Ativistas protestam em frente ao tribunal onde os cinco acusados de estupro foram julgados na Índia - Prakash Singh/AFP
Ativistas protestam em frente ao tribunal onde os cinco acusados de estupro foram julgados na Índia Imagem: Prakash Singh/AFP

Cláudia Emi Izumi

Do UOL, em São Paulo

23/01/2013 06h00Atualizada em 23/01/2013 10h22

O estupro coletivo de uma jovem de 23 anos por cinco homens e um adolescente em um ônibus em Nova Déli, em dezembro de 2012, colocou em evidência internacional um problema recorrente na sociedade indiana: o abuso sexual contra a mulher. 

A violência que acontece publicamente ou dentro do ambiente familiar é de conhecimento geral no país, mas “ninguém falava nada até agora”, comenta Camila Marçal, 23, que viajou à Índia para participar de um intercâmbio social (voluntariado), em março de 2012.

Na Índia, uma mulher é estuprada a cada 20 minutos. A sociedade indiana apresenta ameaças às mulheres e quem planeja fazer intercâmbio no país precisa considerar as diferenças de comportamento para não colocar em risco sua segurança pessoal.

“A orientação que recebi era de nunca sair sozinha à noite”, lembra Camila, sobre as palestras ouvidas na organização de intercâmbio Aiesec do Brasil antes do seu embarque.

“Só saía com o pessoal da Aiesec ou com grupos de brasileiros que conheci na Índia. A volta, à noite, era sempre de táxi, nunca de ônibus. Antes de entrar no carro, perguntava a placa e o número de registro do taxista e ligava para a família que me hospedava para avisá-los”, conta.

Camila passou dois meses em Bangalore, “na parte mais pobre da cidade”. Durante sua estada, deu aulas de inglês e orientou mulheres indianas muçulmanas sobre problemas familiares.

As reuniões eram fechadas e ocorriam durante o horário de trabalho dos maridos. Os temas se alternavam entre dar banho e comida de forma adequada aos filhos ou como providenciar um documento de identificação, equivalente ao RG do Brasil.

“Não saia sozinha”

Estamos acostumadas a bater papo com o motorista de ônibus ou o vendedor de jornal, na Índia não faço mais isso. Eles acham que mulher que fala muito com estranhos é fácil e sem princípios

SILVIA PANCHAL, 32

“Se for mulher, aconselho a não andar desacompanhada. Nova Déli [capital] é mais perigosa, mas em Mumbai já fui seguida e me assustaram. Mulher sozinha na Índia não é bem vista e corre um risco seriíssimo”, diz a comissária-chefe de voo da Emirates Airlines, Silvia Cristina Cangucu Rodrigues Panchal, 32.

Silvia viveu um ano em Bombaim como intercambista cultural do Rotary Clube, em 1999, e ficou mais quatro meses na mesma cidade, em 2004. Ela é casada com um indiano e mora atualmente nos Emirados Árabes.

“A primeira vez que fui à Índia, tinha 18 anos e não era precavida como deveria ser. Andava de trem com amigos indianos, nos mesmos vagões que eles [trens e ônibus do transporte público são divididos em alas separadas para homens e mulheres]. Hoje não faço mais isso”, conta Silvia.

Roupas

“A orientação para intercambistas homens é bem mais tranquila”, comenta Ana Luísa Gomide, diretora da Aiesec do Brasil. “Como não há muitos roubos na Índia, mas furtos, falamos para que andem em grupos. Mas esta recomendação seria feita para qualquer país com problema semelhante, não só a Índia.”

Já para as mulheres, a precaução aumenta em proporção. Mesmo sob um calor de 40 graus, é extremamente ofensivo exibir muito os braços.

Os rapazes olham de forma diferente por sermos estrangeiras. Tentam conversar, assobiam, chamam, mas a regra é não olhar e nem dar atenção

CAMILA MARÇAL, 23

“Se estiver com uma regata ou blusa de alça, pode ter certeza que atrairá olhares masculinos o tempo todo. Eles encaram muito, mesmo quando eu estava coberta ou com roupas indianas. Alguns saree [roupa tradicional], por outro lado, mostram a barriga da mulher, mas isso não parece ser uma parte atraente para os indianos”.

As duas brasileiras que viveram na Índia adotavam pequenas atitudes para não chamarem muito a atenção no dia a dia. Ambas carregavam uma pashmina (espécie de xale) para se cobrirem.

“A ala mais rica, a sociedade mais rica, anda como as brasileiras, com tênis, calça jeans e blusa, mas a maioria, que é tradicional, não. Eu não podia sair com pernas e ombros descobertos”, conta Camila. 

“Não use saia curta, nem decote e muito menos tomara que caia. Essas peças podem até serem usadas à noite, mas desde que você vá de carro e no caminho se cubra para esconder o corpo e se proteger”, explica Silvia.

A comissária-chefe acrescenta que a Índia ainda é um país bom para se visitar. “Não há problemas com armas de fogo, com assaltos. Mas sendo mulher, a atenção precisa ser redobrada.”