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Caipira conserva formas antigas da Língua Portuguesa, afirma pesquisadora

Soraia Reolon Pereira é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa - Arquivo Pessoal
Soraia Reolon Pereira é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa Imagem: Arquivo Pessoal

Izabelle Mundim

Do UOL, em São Paulo

27/03/2015 15h14Atualizada em 30/03/2015 11h12

Palavras como “fruita” e “pranta” já fizeram parte da norma culta da Língua Portuguesa, você sabia? “Essas formas eram usadas no português medieval, mas ao longo do tempo sofreram modificações fonéticas e hoje estão fora do uso padrão, por isso são vistas como formas desprestigiadas, até ‘erradas’”, explica a professora Soraia Reolon Pereira, uma das pesquisadoras da Fundação Casa de Rui Barbosa. “Convém ressaltar que não é um “erro” do caipira, é uma conservação de formas antigas por questões históricas”, diz.

Uma pesquisa sobre essas palavras que caíram em desuso, mas que foram preservadas na linguagem caipira se transformou no “Vocabulário do Português Medieval”, lançado no ano passado pela Fundação, que reúne 170 mil palavras.

"O Vocabulário faz um levantamento do vocabulário medieval conhecido por nós através dos textos que foram preservados daquela época. E lá existe o registro de palavras que foram preservadas no dialeto caipira e outras que não foram e o registro de variantes que hoje são as formas que ficaram na língua padrão", explica Soraia.

Na entrevista a seguir, Soraia Reolon Pereira comenta algumas curiosidades da Língua Portuguesa. Confira:

UOL Educação - Existe falar errado na Língua Portuguesa?

Soraia Reolon Pereira - Os conceitos de “certo” e “errado” na Língua Portuguesa estão associados à tradição gramatical, mais especificamente à gramática dita normativa ou prescritiva, que enumera os usos histórica e socialmente consagrados e adotados como um padrão. O uso dessa gramática nas escolas tem a finalidade pedagógica de capacitar os alunos para participarem de situações sociocomunicativas em que seja necessário o domínio da língua padrão. 

Já a gramática descritiva apresenta o sistema linguístico – as unidades da língua e as combinações dessas unidades, para formar palavras e frases – não se restringindo à variedade padrão da língua, nem emitindo um juízo de valor sobre o prestígio social de qualquer das variedades da língua. Assim, o conceito de “certo” e “errado” se relativiza, e passa-se a pensar em “adequado” e “inadequado”.

Na modalidade falada em situações informais, os linguistas afirmam que o mais importante é se comunicar, se fazer entender, e, assim, muitos usos coloquiais são adequados. Porém, na fala, em situações formais, como na produção de um discurso, já é adequado o uso da norma padrão.

UOL - Qual é a origem histórica da fala caipira? Por que palavras do português arcaico foram mantidas pelo linguajar caipira?

Soraia - Amadeu Amaral, em 1920, publica O dialeto caipira, importante estudo sobre o léxico caipira e os aspectos fonéticos, morfológicos e sintáticos. O falante desse dialeto era o caipira, indivíduo que habitava o interior do Estado de São Paulo e que vivia da agricultura, com modos de produção baseados na economia familiar e no auxílio de vizinhos, formando bairros rurais, relativamente fechados. Amadeu ressalta que o vocabulário caipira foi formado por: elementos oriundos do português usado pelo primitivo colonizador, muitos dos quais se arcaizaram na língua culta; termos provenientes das línguas indígenas; vocábulos importados de outras línguas por via indireta, como do castelhano; e vocábulos formados no próprio seio do dialeto.

Isto tem uma razão histórica: os bandeirantes a partir do século 16 no Brasil colonial realizaram um movimento de entrada pelos interiores em busca de riquezas e vão expandindo os limites territoriais em direção ao Centro-Oeste. Nas bandeiras vão portugueses falando o português medieval, índios, negros e alguns estrangeiros. O afastamento do litoral e das novidades (inclusive linguísticas) da metrópole, a dificuldade de comunicação, as distâncias e a vida rural favoreceram a criação do dialeto caipira e a conservação de formas do português medieval.

UOL - O que é arcaismo?
Soraia - Arcaísmo é palavra, expressão, construção sintática ou acepção que deixou de ser usada na norma atual de uma língua. Assim, formas como “fruita”, “escuitá”, “pranta” não pertencem à norma padrão dos dias atuais. São consideradas arcaísmos fonéticos. Estas formas eram usadas no português medieval, mas ao longo do tempo sofreram modificações fonéticas e hoje estão fora do uso padrão. Hoje, o padrão é “fruta”, “escutar” e “planta”. Por isso são vistas como formas desprestigiadas, até “erradas”.  Convém ressaltar que não é um “erro” do caipira, é uma conservação de formas antigas por questões históricas.

UOL - Como foi o processo de pesquisa do Vocabulário do Português Medieval? Qual a importância dele para a nossa língua?
Soraia - O livro Vocabulário histórico-cronológico do português medieval é um dos produtos de uma longa pesquisa realizada na Fundação Casa de Rui Barbosa. Trata-se do primeiro levantamento exaustivo do léxico da língua portuguesa nos séculos 13, 14 e 15. Apresenta cerca de 170.000 verbetes do português medieval e os relaciona com 15.229 palavras correspondentes no português atual.  A conclusão do projeto significa um importante passo para a lexicografia de língua portuguesa.