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Audiovisual na escola ensina respeito e trabalho em equipe, diz Bolognesi

Greg Salibian/Folhapress
Imagem: Greg Salibian/Folhapress

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

17/09/2015 05h00

O cinema e a educação fazem parte da vida dos cineastas Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi há mais de dez anos. Nesse tempo, eles levaram para escolas públicas e comunidades de baixa renda espalhadas pelo Brasil o cinema itinerante Cine Tela Brasil.

O projeto deu tão certo e foi tão bem aceito pelas comunidades, segundo Bolognesi, que os profissionais passaram a levar educadores nas viagens para ensinar e incentivar o uso de recursos audiovisuais nas escolas. Desde 2004, foram 7.439 sessões de cinema transmitidas para 1.355.403 brasileiros e mais de três mil estudantes participaram de oficinas gratuitas de produção audiovisual.

“O objetivo inicial era levar cinema para os lugares que não tinham acesso. Mas em um ano a gente começou a ser procurado por escolas e percebemos que isso [o trabalho do audiovisual no ensino] era também uma necessidade deles. Foi então que começamos a exibir os filmes nas escolas e a distribuir materiais didáticos produzidos por nossa equipe pedagógica para os professores trabalharem o cinema na sala de aula”, resume o cineasta.

Confira a seguir a entrevista com Luiz Bolognesi, um dos autores do livro “Cine Tela Brasil e Oficinas Tela Brasil: 10 anos de cinema na periferia do país”.

Nosso objetivo é fornecer novas competências para esses jovens serem felizes na vida. A gente queria passar para esses meninos novas habilidades, formar estudantes mais maduros, com pensamento crítico e mais capazes Luiz Bolognesi

 

UOL Educação: Como eram na prática as atividades com o cinema na escola? Como funcionavam as oficinas de audiovisual para os alunos?

Bolognesi: Nós do projeto incentivávamos os professores a aproveitar os filmes exibidos para discutir valores. Não apenas desdobrar em questões de biologia ou história, por exemplo. O material didático possuía conteúdo multidisciplinar para ser trabalhado. Fizemos parceria com centenas de escolas. Em 2007, introduzimos as oficinas de audiovisual. Nós percebemos que as escolas reagiam bem ao projeto e os jovens se interessavam em saber como os filmes eram produzidos. Eles tinham aulas de roteiro, fotografia, produção. As oficinas duravam de dez dias até três semanas, dependia de como nos organizávamos.

Ao todo, já foram mais de 120 oficinas realizadas do Rio Grande do Sul até Manaus. Até 2014, quase 450 curtas foram produzidos pelos estudantes. Sem contar o que fizeram por conta própria.

UOL Educação: De que forma o audiovisual contribui para a formação dos estudantes?

Bolognesi: Nosso objetivo é fornecer novas competências para esses jovens serem felizes na vida. Nas oficinas, a gente queria passar para esses meninos novas habilidades, formar estudantes mais maduros, com pensamento crítico e mais capazes.

Uma das coisas mais importantes que eles aprendem é a trabalhar em equipe e a respeitar as diferenças. Trabalhar com o audiovisual ensina a trabalhar em grupo e as escolas muitas vezes se esquecem da importância dessa prática. A forma de ensino atual é muito individualizada.

Quando se vai fazer um curta, a primeira dificuldade é lidar com as pessoas, com os conflitos. Um é o roteirista, outro é o diretor, outro é o ator. Outra coisa é a relação entre o aluno e o professor que se torna mais próxima. Nas oficinas, todos trabalham juntos. A experiência é bem legal.

UOL Educação: E do que mais os estudantes gostavam?

Bolognesi: Acho que da superação dos conflitos dentro de um trabalho em grupo. Eles diziam que era a parte mais emocionante e mais compensadora. Quando eles viam que, apesar de difícil, o trabalho era concluído com sucesso, eles adoravam. Era legal também observar como a comunidade percebia esses estudantes. Ela enxergava esses meninos como protagonistas sociais, como novos talentos.

UOL Educação: Como a escola pode trabalhar o audiovisual em sala de aula? 

Bolognesi: A gente acha que o audiovisual deve acontecer no contraturno das aulas. O ideal é que não seja aquela matéria que tem que decorar o ano que o cinema foi inventado. Essa babaquice não deve acontecer. Pode ser como um trabalho voluntário, onde alunos e professores se juntem para fazer dar certo.  Fazer um curta sobre uma banda da escola que toca hip hop ou fazer um clipe pode ser divertido, os alunos podem compartilhar.

Os professores também podem pegar os filmes e propor discussões sobre os temas principais. Como no filme Lisbela e o Prisioneiro, por exemplo, podemos discutir a vida da família que tem alguém na cadeia, como enfrentar o preconceito e refletir sobre o que essa pessoa irá fazer quando sair da prisão, como ela será aceita na comunidade. É um bate-papo mesmo sobre as reflexões.

E, pelas nossas experiências, podemos observar que estudantes que estavam abandonando a escola estão voltando por causa dessas atividades audiovisuais. Eles gostam, participam, melhoram as notas. Na hora que os meninos descobrem e aprendem a trabalhar em grupo, desenvolvem o pensamento critico e passam a ter o olhar mais atento, eles acabam tendo mais condições de ter bons resultados nas outras disciplinas.

UOL Educação: O que achou da alteração na lei (9.394),que obriga escolas de educação básica a exibirem no mínimo 2h de filmes nacionais?

Bolognesi: Acho a lei interessante porque ela finalmente sinaliza que o audiovisual precisa estar nas escolas. Estamos muito atrasados com isso. A dúvida que fica agora é como ele deve ser trabalhado. Cada escola tem sua característica e cada uma precisa reavaliar a melhor forma para essa mudança ser bem aplicada. Acho que a lei serviu para reforçar essa necessidade de transformação.

UOL Educação: Em relação ao Cine Tela Brasil, como era a sensação de levar o cinema para pessoas que nunca tiveram acesso a ele?

Bolognesi: Era mágico! No Brasil, 93% dos municípios não têm nenhuma sala de cinema. A maioria dos brasileiros nunca foi ao cinema. De 200 milhões de brasileiros, apenas 30 milhões já tiveram acesso. Isso é muito forte. Muitos professores e alunos estavam indo pela primeira vez ao cinema. Aquela sala escura, cadeira confortável, tela gigante, aquele som que te envolve era tudo meio que um sonho para eles. Para nós pode ser até uma experiência banal [ir ao cinema], mas para muitos é como ver o mar pela primeira vez. Muitas vezes tínhamos que fazer sessões à noite para os pais dos alunos também poderem ir. Eles trabalhavam o dia todo e iam depois para poder ver os filmes. Nesses dez anos, 1 milhão e 400 mil pessoas frequentaram nossas salas.

UOL Educação: Diante da experiência com o Educação.doc [documentário que mostra como escolas públicas em locais pouco desenvolvidos obtêm bons resultados], como a educação pública de qualidade pode mudar o Brasil?

Bolognesi: A única coisa que pode mudar esse Brasil é educação pública de qualidade. O pensamento de que o brasileiro tem que levar vantagem em tudo ainda é muito presente na sociedade. E, nas escolas, não é diferente. Precisamos mudar os valores desde a infância para que os alunos cresçam melhores. São valores mais éticos de respeito ao outro e o lugar mais propício para isso acontecer é na escola, onde temos mestres e crianças abertas para o aprender.

As escolas não podem ser depósitos de crianças, não pode ter um ensino apenas para passar o vestibular. Temos que incentivar e reforçar que a escola é um lugar para mudar o mundo.

Durante o documentário encontramos iniciativas em que isso tudo ocorre. Elas fazem o aprendizado acontecer. Nas oito escolas que entraram no documentário, nós entrevistamos professores, alunos, pensadores e vimos que existem conflitos, mas de modo geral são escolas transformadoras, que fazem a diferença. Eu vi isso, eu visitei as escolas.

Então, acho possível essa mudança, mas para isso dar certo não se pode ser uma ação isolada. É preciso iniciativa do poder público, da comunidade e dos professores. Um diretor apenas não muda uma escola. Tem que ter respaldo da secretaria de educação. É aí que um ciclo que envolve os alunos começa. Só assim dá certo.

Não existe regra para ser uma escola de qualidade, mas o desejo de fazer a escola ser um lugar melhor e ao mesmo tempo ser exigente são práticas que fazem dar certo. Cobrar, exigir e não parar na transformação.