Secretário de SP 'esquece' educação como direito e comete erro de português
Um texto assinado pelo secretário da Educação do Estado de São Paulo, José Renato Nalini, publicado nesta semana no site da secretaria gerou polêmica nas redes sociais. No artigo, Nalini, diz que o Estado deve permitir o desenvolvimento pleno da iniciativa privada e só deve responder por missões elementares e básicas, como a segurança e a justiça. Nalini não cita a Educação como missão do Estado.
Para Salomão Ximenes, professor de políticas públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC), o uso do site da Secretaria da Educação para a emissão de “uma determinada doutrina do secretário é inoportuno e beira a ilegalidade”. “Ele tem todo o direito de expressar a opinião em espaços privados de comunicação, como jornais e blogs. Mas utilizar sua função de poder e hierarquia na Secretaria para impor a publicação no site é inoportuno”, explica.
“Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares”, afirma Nalini no artigo.
Segundo Ximenes, a visão do secretário é oposta ao que assegura a Constituição de 1988. “A Constituição fala que é dever do Estado assegurar a educação”, afirma. “Ele diz, no site da Secretaria da Educação, que a secretaria não deveria existir. Ele entende que não é função do Estado prestar educação para as pessoas. Eu acho muito grave”, explica.
“É um texto que demonstra uma forte incompreensão do papel do Estado na sociedade brasileira. Uma incompreensão da República estabelecida pela Constituição Federal de 1988”, afirma Daniel Cara, mestre em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e coordenador geral da Campanha Nacional pela Educação.
“No exercício de secretário da Educação, ele deve aplicar a Constituição, mesmo que discorde”, conclui Ximenes.
Em outro trecho do artigo, Nalini afirma: “A população se acostumou a reivindicar. Tudo aquilo que antigamente era fruto do trabalho, do esforço, do sacrifício e do empenho, passou à categoria de ‘direito’. E de ‘direito fundamental’, ou seja, aquele que não pode ser negado e que deve ser usufruído por todas as pessoas”.
“Ele parte do pressuposto que a sociedade brasileira é justa. Para ele, só é necessário as pessoas trabalharem. Ele culpa as pessoas pela posição que elas ocupam na sociedade. Se [a afirmação de Nalini] fosse verdade, o Brasil seria outro. É difícil de encontrar um país em que as pessoas trabalham como no Brasil. O problema do Brasil não é a falta de esforço, é que a sociedade é desigual”, contrapõe Cara.
Na tarde de quinta-feira (7) o UOL entrou em contato com a secretaria e pediu uma entrevista com Nalini, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Erros de português
No primeiro parágrafo do artigo, o secretário da Educação comete dois erros gramaticais. Nalini desrespeita a concordância verbal -- o verbo não concorda com o sujeito: “A fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna – e também a materna – a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes, gera um convívio amorfo”. No período seguinte, ele comete o mesmo erro: “Predomina o egoísmo, o consumismo, o êxtase momentâneo por sensações baratas, a ilusão do sexo, a volúpia da velocidade, o desencanto e o niilismo”.
Em outro momento, Nalini comete outro erro de concordância ao tratar das instâncias do Executivo, Legislativo e Judiciário: "Todas elas alvo fácil das exigências, cabidas e descabidas, de uma legião ávida por assistência integral". O correto seria "alvos fáceis".
O secretário ainda utiliza a palavra "auto-atribuindo-se", que não existe no vocabulário da língua portuguesa.
Confira a íntegra do texto do secretário da Educação de SP
A sociedade órfã
Uma das explicações para a situação de anomia que a sociedade humana enfrenta em nossos dias é a de que ela se tornou órfã. Com efeito. A fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna – e também a materna – a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes, gera um convívio amorfo. Predomina o egoísmo, o consumismo, o êxtase momentâneo por sensações baratas, a ilusão do sexo, a volúpia da velocidade, o desencanto e o niilismo.
Uma sociedade órfã vai se socorrer de instâncias que substituam a tíbia parentalidade. O Estado assume esse papel de provedor e se assenhoreia de incumbências que não seriam dele. Afinal, Estado é instrumento de coordenação do convívio, assegurador das condições essenciais a que indivíduos e grupos intermediários possam atender à sua vocação. Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares.
Lamentavelmente, não é isso o que ocorre. Da feição “gendarme”, na concepção do “laissez faire, laissez passer”, de mero observador, o Estado moderno assumiu a fisionomia do “welfare state”. Ou seja: considerou-se responsável por inúmeras outras tarefas, formatando exteriorizações múltiplas para vencê-las, auto-atribuindo-se de tamanhos encargos, que deles não deu mais conta.
A população se acostumou a reivindicar. Tudo aquilo que antigamente era fruto do trabalho, do esforço, do sacrifício e do empenho, passou à categoria de “direito”. E de “direito fundamental”, ou seja, aquele que não pode ser negado e que deve ser usufruído por todas as pessoas.
A proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito e, com esse nome, começaram a ser exigíveis desejos, aspirações, anseios, vontades mimadas e até utopias. Tudo a ser propiciado por um Estado que se tornou onipotente, onisciente, onipresente e perdeu a característica de instrumento, para se converter em finalidade.
Todas as reivindicações encontram eco no Estado-babá, cuja outra face é o Estado-polvo, tentacular, interventor e intervencionista. Para seu sustento, agrava a arrecadação, penaliza o contribuinte, inventa tributos e é inflexível ao cobrá-los.
Vive-se a paranoia de um Estado a cada dia maior. Inflado, inchado, inflamado e ineficiente. Sob suas formas tradicionais – Executivo, Legislativo e Judiciário. Todas elas alvo fácil das exigências, cabidas e descabidas, de uma legião ávida por assistência integral. Desde o pré-natal à sepultura, tudo tem de ser oferecido pelo Estado. E assim se acumulam demandas junto ao Governo, junto ao Parlamento, junto ao sistema Justiça.
O Brasil é um caso emblemático. Passa ao restante do globo a sensação de que todos litigam contra todos. São mais de 106 milhões de processos em curso. Mais da metade deles não precisaria estar na Justiça. Mas é preciso atender também ao mercado jurídico, ainda promissor e ainda aliciante de milhões de jovens que se iludem, mas que poderão enfrentar dificuldades irremovíveis num futuro próximo.
No dia em que a população perceber que ela não precisa ser órfã e que a receita para um Brasil melhor está no resgate dos valores esgarçados: no reforço da família, da escola, da Igreja e do convívio fraterno. Não no viés facilitado de acreditar que a orfandade será corrigida por um Estado que está capenga e perplexo, pois já não sabe como honrar suas ambiciosas promessas de tornar todos ricos e felizes.
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