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Sem verba para medalha a evento científico, professor lamenta: 'frustrante'

Equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica de 2014 - Divulgação / Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astrofísica
Equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica de 2014 Imagem: Divulgação / Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astrofísica

Janaina Garcia e Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

02/08/2016 18h37Atualizada em 08/08/2016 09h26

O Rio de Janeiro da Olimpíada esportiva definitivamente não é o Rio da olimpíada do conhecimento – no caso, a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. A opinião é do professor João Batista Garcia Canalle, 57, presidente do Instituto de Física da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Há 19 anos coordenador da olimpíada que reúne alunos de pelo menos 10 mil escolas públicas e privadas de todo o país, ele disse ser “frustrante” acompanhar o volume bilionário de recursos destinados às obras ao megaevento esportivo, quando, no instituto, o corte de recursos federais contingencia desde as medalhas do evento científico até as viagens para eventos do tipo nos quais alunos representarão o Brasil no exterior.

De acordo com o professor, uma vaquinha tenta aglutinar recursos para as medalhas de 50 mil alunos –dentre os 800 mil participantes do torneio. Segundo ele, é a primeira vez que o evento corre o risco de não ter esse tipo de premiação – já que dos R$ 1,2 milhão esperados do CNPq (órgão do governo federal de fomento à pesquisa), este ano, veio pouco menos da metade.

“As medalhas são fundamentais para a motivação dos alunos. Quem não gosta desse reconhecimento? Até os atletas que vêm do mundo inteiro para os Jogos Olímpicos querem medalhas”, afirmou Canalle. Ele completou: “Este ano, com a crise econômica e a corrupção em escala astronômica, recebemos menos da metade do dinheiro disponível e tivemos que fazer um monte de cortes”, relatou.

De acordo com o professor, outras ações bancadas com a verba federal e que precisaram passar pelo contingenciamento afetarão estudantes que vão representar o Brasil em outras olimpíadas de astronomia – em outubro, no torneio latinoamericano na Argentina, e em dezembro, na Índia.

“Temos cinco alunos e dois professores que irão para o torneio na Índia. Eles estão rateando toda a despesa com passagem, roupas e outras despesas de viagem porque não tivemos recurso para bancar isso, como em anos anteriores. No evento da Argentina, a mesma coisa – e também com cinco alunos. Como a maioria deles é de escola particular, as famílias estão dando um jeito para pagar essas despesas, mas temos alunos de institutos federais, por exemplo, que eram suplentes na disputa e desistiram de ir porque não tinham condições financeiras de fazer esse rateio”, lamentou o professor. “Para as nossas olimpíadas, para se ter uma ideia, não tivemos sequer como imprimir os cartazes que costumávamos enviar para as escolas; não mandamos correspondências, o que fizemos, foi pela internet. Mas as escolas rurais, onde o sinal nem sempre é bom, acabam sendo prejudicadas com isso”, admitiu.

Indagado sobre a sensação de passar pelo que considera a pior situação financeira do evento justamente no ano em que o país é sede de Jogos Olímpicos, Canalle foi taxativo: “É muito frustrante, porque a gente percebe claramente que o dinheiro para pagar todas essas obras faraônicas que estamos vendo agora saiu de áreas essenciais como a educação – não fosse assim, e a Uerj, onde dou aula, por exemplo, não estaria nessa situação financeira absurda em que está, com atraso de salários de funcionários e de pagamento de fornecedores”, criticou.

O que ele espera do futuro da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica? “Sou otimista – a gente não pode desistir. Este pode ser um período muito ruim no Brasil, mas acredito que as coisas vão melhorar. Eu quero ver aluno, e não bandido, ser destaque nas primeiras páginas dos jornais; é para isso que nos empenhamos.”

A vaquinha está disponível para qualquer pessoa doar. Ao todo, para confecção de 50 mil medalhas – divididas em ouro, prata e bronze – , a um custo aproximado de R$ 3 a unidade, seriam necessários pelo menos R$ 150 mil. Os organizadores arrecadaram até esta terça-feira pouco mais de R$ 20 mil, mas têm ainda até outubro para atingir a meta.

Medalhista em 2011 passou em cinco universidades nos EUA

Medalhista na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica em 2011, o estudante André Lucas Buriti de Melo, 21, avaliou que o evento foi "certamente" um dos fatores que possibilitaram a admissão dele em cinco universidades de ponta nos EUA, em 2014. "Em todos os sentidos: tanto a parte de inspiração (já que foi nesse evento de premiação, Jornada Espacial, que pela primeira vez me dei conta de que, talvez, estudar fora fosse possível pra mim), quanto na parte prática, porque foi nesse evento que conheci a Fundação Estudar - organização que me orientou e contribuiu enormemente para minhas admissões no exterior", disse.

Na avaliação do jovem, participar de olimpíadas do conhecimento ajudou tanto a formular um pensamento crítico e a pensar em soluções criativas para os problemas, como a trabalhar em equipe. Sobre a crise atual, o estudante disse esperar que isso não afete de fato a olimpíada, uma vez que, defendeu, elas são ferramentas que promovem integração entre estudantes com experiências diferentes.

"Eu, como estudante da rede estadual do Acre, tive a oportunidade de conhecer estudantes das melhores escolas privadas da América do Sul por meio da Olimpíada de Astronomia. É uma oportunidade fantástica de expandir a perspectiva sobre a educação no país", relatou.