Elogiada por Lula, aluna do PR diz que falou 'o que todos queriam falar'
O telefone da estudante secundarista Ana Júlia Ribeiro, 16 anos, não para nesta quinta-feira (27): são pedidos de entrevista, amigos querendo cumprimentá-la e até político dizendo ter se “emocionado” pela atitude da garota – no caso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aniversariante do dia.
Na véspera, a adolescente afirmou aos deputados estaduais na Assembleia Legislativa do Paraná que eles tinham “as mãos sujas de sangue” pela morte do secundarista Lucas Eduardo da Mota, 16, esta semana, em escola da zona norte de Curitiba. O vídeo com o discurso rapidamente viralizou nas redes sociais, especialmente porque a declaração irritou o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), que ameaçou cortar o microfone da garota.
Ana conversou com o UOL no escritório do pai, o advogado e assistente social Júlio César Pires Ribeiro, 46, em um prédio comercial do bairro do Bigorrilho, na zona oeste de Curitiba. Ao final da entrevista, por volta de 12h30, Ribeiro pareceu surpreendido com uma ligação: “Filha, é o ex-presidente Lula querendo falar com você!”
A reportagem acompanhou a conversa por parte da estudante. Bastante surpresa, ela o agradeceu, o parabenizou pelo aniversário, que é hoje, e desligou. Em seguida, fez questão de reforçar: “O movimento dos secundaristas não é de partidos, não é de políticos, mas dos estudantes. Ontem eu estava na ocupação, fui para casa tomar um banho para ir à Assembleia, e, de lá, voltei para a ocupação”, disse. Como foi a reação dos colegas ao pronunciamento? “Foi louco”, lembra.
A ligação foi intermediada por um assessor. Segundo a estudante, Lula a cumprimentou pelo discurso, afirmou que “ela só disse a verdade”, defendeu que “as pessoas estavam acostumadas a cursar só o ensino fundamental”, e que, agora, era hora de os estudantes “lutarem contra a MP (Medida Provisória) 746, que reforma o ensino médio. Ao lado da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 241, a medida é o principal argumento dos alunos para manter as ocupações que duram já, em todo o Estado, 22 dias.
A que ela credita a reação viral ao discurso na Assembleia?, quis saber a reportagem. “Porque acho que falei o que todo mundo queria falar”, arrisca.
“É ofensa dizer que secundaristas são doutrinados”
Com o pai advogado e assistente social e a mãe professora da rede pública municipal, Ana conta que quer se formar em direito. Gosta de literatura –o autor preferido é Machado de Assis --, mas diz não abrir mão de pensadores como o sociólogo alemão Karl Marx e os filósofos suíço Jean-Jacques Rousseau e o francês Montesquieu. Não aderiu à moda da TV por streaming, se informa pelas redes sociais –nas quais, diz, lê notícias de portais e jornais –e pelas TVs. “Você precisa saber o que estão dizendo até para avaliar, afinal”, justifica.
Foi a primeira vez de Ana na casa de leis do Estado. Ela foi convidada a falar pelo gabinete do deputado estadual Tadeu Veneri, do PT, sexto colocado no primeiro turno da eleição municipal à prefeitura. O petista apresentou requerimento como resposta a outra medida do tipo, na véspera, mas assinada pelo presidente da Comissão de Educação, Hussein Bakri (PSD), da base do governador Beto Richa (PSDB). Na ocasião, um grupo de estudantes contrários às ocupações discursou contra o movimento e se disse prejudicado pela interrupção de aulas.
“É entristecedor e é uma ofensa quando dizem que os secundaristas das ocupações são doutrinados por partidos, políticos ou sindicatos. Somos doutrinados por quem, por quê? Não posso pensar diferente, simplesmente? Não acho que os que pensam o contrário sejam doutrinados”, definiu.
“Lucas não foi o primeiro, e, infelizmente, não será o último”
Sobre Lucas, o estudante assassinado, Ana afirmou que pouco poderia falar pessoalmente sobre ele, já que não o conhecia. Segundo as autoridades de segurança pública do Estado, o adolescente foi morto por um colega de 17 anos que estaria, assim como a vítima, sob efeito de drogas. Eles teriam consumido substâncias fora do colégio estadual Safel, no bairro curitibano de Santa Felicidade, e entrado na escola, onde Lucas foi atacado com um golpe de faca.
“O Lucas não foi o primeiro, e, infelizmente, não vai ser o último. Quando eu falei em ‘sangue’, quis dizer do sangue da juventude de periferia que passa por isso –e o Estado é relapso nas políticas públicas que combatam essa situação. Se os deputados fazem parte do Estado, eles também têm essa responsabilidade”, diz a estudante.
Ela estava na ocupação da própria escola quando soube da morte do estudante Lucas Eduardo de Araújo Lopes. “Ficamos muito preocupados quando soubemos e conversamos para que sempre agíssemos com a razão”, conta. “Porque sabemos que a morte dele vai ser usada de argumento para que tentem desmobilizar as ocupações. Vão fazer de tudo."
Desde que as ocupações começaram, autoridades do Estado chegaram a classificar como “político” o movimento. A estudante, que foi contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT) diz que “isso não quer dizer que eu defenda um partido: defendo a democracia e a escolha pelo voto”, ressalva. Afirma que o foco é, de fato, político, mas voltado para a qualidade da educação pública.
“Já tive professores de notório saber e sei o quanto isso não é legal. Também não concordo com a não obrigatoriedade de algumas disciplinas e vejo, no dia a dia, como as escolas estão com estruturas precárias para receber ensino integral”, disse a garota, citando aspectos da reforma do ensino médio.
“Minha filha é uma guerreira”, diz pai
O pai da estudante acompanhou Ana ontem à Assembleia e contou que se orgulhou pela atitude da filha. “Eu sei o quanto o movimento desses meninos não tem partido nem político envolvido –somos nós, pais, que apoiamos. Lamento que a morte do Lucas possa vir a calhar como pretexto para descaracterizar as ocupações, que reivindicam melhorias na educação e mostram como as escolas estão sucateadas”, avaliou.
O que ele espera daqui em diante? “Que os jovens sejam os protagonistas da luta por um país melhor e que, a partir disso, tenhamos políticas públicas que nos dê suporte para isso. Minha filha, nesse aspecto, é uma guerreira.”
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