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Soviéticos e nazistas tentaram escola sem partido e falharam, diz Cristovam

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), em seu gabinete em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), em seu gabinete em Brasília Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

13/11/2018 04h02

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), educador e ex-ministro da Educação (2003-2004), é contra a aprovação pelo Congresso Nacional das propostas contidas no projeto Escola sem Partido para o sistema educacional do Brasil.

Para Buarque, prerrogativas colocadas pelo projeto, como a de que o aluno possa denunciar professores por suposta doutrinação ideológica, vão criar estado de "suspeição geral" em sala de aula, que prejudicará as relações de confiança e a própria dinâmica escolar.

"Escola sem partido é a escola de um partido único, que é o mesmo do governo", aponta, em entrevista por telefone ao UOL, do seu gabinete em Brasília. "Já se fez escola sem partido na União Soviética e na Alemanha nazista, por exemplo. Não deu certo. A gente tem de ter escola com todos os partidos, uma escola com pluralidade", defende.

Entretanto, o senador reconhece que o movimento que sustenta o projeto se alimenta, em parte, de "exagero na maneira como alguns professores se sentiram donos da verdade de um partido" e, em parte, do reacionarismo de grupos de pressão, avessos ao debate.

Ex-governador do Distrito Federal entre 1995 e 1998, quando implementou seu principal projeto como gestor público, o Bolsa-Escola, que incentivava financeiramente famílias pobres que mantivessem seus filhos estudando, Buarque vê sua carreira pública agora interrompida, após mais de 15 anos como senador.

"O povo me mandou para casa", diz sobre a derrota, este ano, na reeleição para uma das duas vagas em disputa para o Senado: ficou na terceira posição, com 317 mil votos, atrás de Leila do Vôlei (PSB), com 467 mil votos, e Izalci (PSDB), com 403 mil, os eleitos.

Ele não esconde a frustração e aponta erros seus e do campo democrata-progressista. Um deles, o de falarem para corporações e não para o país, como fez o grande vencedor nas urnas, Jair Bolsonaro (PSL), eleito presidente do Brasil.

Buarque defende ainda um grande pacto nacional para tirar o Brasil da crise. Pacto do qual não poderia estar ausente o PT nem seu líder maior, Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso em Curitiba. "Em algum momento vai ter de haver diálogo com Lula."

Ao encerrar a entrevista, o gestor público e educador ainda faz um apelo: "Só espero que você não jogue fora meu telefone", diz, seguido do riso nervoso de quem teme ser esquecido.

Acompanhe abaixo os principais trechos da conversa com o UOL.

UOL - O projeto Escola sem Partido, caso seja aprovado pelo Congresso Nacional [vai ser votado primeiro em comissão especial da Câmara dos Deputados], ataca o problema mais importante da educação brasileira, hoje? Ataca o problema real?

Cristovam Buarque - O pessoal fala em escola sem partido, mas o problema, no Brasil, é escola e ponto. Esse país nem tem escola [de qualidade], quer dizer, só tem para uma minoria. Estão querendo tirar o partido da escola antes de fazer a escola.

A imensa maioria das escolas públicas no interior do Brasil é de restaurantes mirins. As crianças vão lá pela merenda. Terminou a merenda, vão embora. Antes da merenda, ficam fora da sala de aula. Então, esse pessoal não dá escola para o povo e aí desvia o debate para essa história de partido.

Então o problema do Brasil é a falta de uma estrutura decente para a prática da aprendizagem, um ambiente de conhecimento adequado?

Exatamente.

Nós precisamos é de um partido para a escola, porque não temos nenhum. Um partido que ponha a escola como eixo central do progresso

Em vez de um partido para a escola, estão inventando isso de escola sem partido, que, aliás, é uma grande besteira.

Por quê?

Porque escola sem partido é a escola de um partido único, que é o mesmo do governo. Basta ver onde se tentou isso. Já se fez escola sem partido na União Soviética [sob o regime comunista liderado sobretudo por Josef Stálin, entre os anos de 1920 e 1950] e na Alemanha [sob regime] nazista [entre 1933 e 1945, sob o comando de Adolf Hitler], por exemplo. A gente tem de ter escola com todos os partidos.

O que não pode, realmente, é o que hoje acontece em muitas universidades federais, em que um partido se apropriou [do espaço público] e não deixa os outros [partidos] participarem.

Aqui na UnB [Universidade de Brasília, da qual Buarque foi o primeiro reitor eleito pelo voto direto, nos anos de 1980] expulsaram um grupo de jovens que estavam defendendo o Bolsonaro [no dia seguinte à vitória do pesselista no segundo turno da eleição presidencial, cerca de dez jovens pró-Bolsonaro se manifestaram no Instituto Central de Ciências, na UnB, e foram obrigados a se retirar por estudantes, após serem xingados e terem cartazes rasgados].

unb - Antonio Temóteo/UOL - Antonio Temóteo/UOL
Alunos da UnB expulsam manifestantes a favor de Bolsonaro
Imagem: Antonio Temóteo/UOL

Isso é um absurdo?

É um absurdo. Ou seja, no fundo, já é um partido único na universidade. Mas na escola, na educação de base, acho que poucos professores estão preocupados com isso de partido.

O senhor citou agora as universidades federais. Identifica um problema realmente de certa cooptação ali?

Acho que tem, mas a saída não é proibir partido, é permitir partidos, no plural. Permitir pluralidade. Na verdade, deveria ser escola com pluralidade. Não é escola sem partido, é escola com pluralidade de ideias, inclusive políticas e partidárias.

No caso do Brasil, especificamente, o que conduziu ao crescimento de um movimento como o do Escola sem Partido?

Duas coisas. Primeiro, é preciso reconhecer: muitos professores exageraram nos últimos anos, em vez de debater, querendo doutrinar. Houve certo exagero na maneira como alguns professores se sentiram donos da verdade de um partido.

Segundo, por outro lado, o reacionarismo e o comodismo dos que não gostam dessas ideias, mas não querem disputar nem debater, querem só coibir. O silêncio não é um bom conselheiro na educação. O "sem-partido", o proibir partido, é querer impor o silêncio.

Mas não se pode permitir que um professor diga: "Só eu sei, só eu falo, não deixo os outros falarem".

Tem que deixar que todos falem e defendam suas posições. Uma escola sem partido é uma escola sem debate. Logo, não merece o nome de escola.

O senhor acha que esse projeto vai ser aprovado pelo Congresso? [Primeiro, pela comissão que o analisa, depois, pelo Senado.]

Espero que prevaleça o bom senso, mas estamos num período de tanta manipulação que é capaz de ser aprovado. Esse é um movimento totalitário, repetitivo da União Soviética e da Alemanha nazista. E se for mesmo aprovado, vai ser um desastre para o Brasil.

Nós já tivemos isso aqui durante o regime militar [1964-1985], os alunos deduravam os professores, e até hoje estamos pagando um preço por isso, porque não houve debate e surgiu uma mediocrização. Ficamos sem partido, o que na verdade era um partido único, e quem não gostasse que fosse embora do Brasil

No caso de esse projeto passar [ser aprovado e implementado], teria uma implicação imediata na prática do professor em sala de aula?

Teria. Porque tem aluno que vai ser incentivado a dedurar o professor, como sempre aconteceu em regimes totalitários.

O senhor antevê alguns tipos de conteúdos [que serão alvo de patrulhamento e possíveis denúncias]? Os conteúdos das humanidades, de repente, o de história?

Imagino em tudo. Por exemplo, um aluno muçulmano vai filmar um professor que diga que Deus é brasileiro. Um cristão vai filmar um professor que diga que Deus é Alá. Gays vão filmar o professor que é contra a diversidade. Quem é contra os gays vai filmar o professor que defende a diversidade.

Vai quebrar o clima de confiança que deveria haver na divergência entre professor e aluno e entre os professores e entre os alunos. Vai criar uma suspeição geral. Vai ser uma escola sem partido e com dedo-duro

É tudo lamentável. Primeiro, não estão preocupados com a qualidade da escola, segundo, querem proibir os outros partidos. A maior parte de quem defende escola sem partido vai querer colocar o seu partido na escola. E terceiro, porque não dá certo. Essa camisa de força não deu certo na União Soviética, nem na Alemanha, nem no próprio Brasil.

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Manifestantes a favor e contra o Escola sem Partido se opõem no Congresso
Imagem: CHARLES SHOLL/RAW IMAGE/ESTADÃO CONTEÚDO

Existem hoje alguns modelos de educação que são considerados experiências muito válidas no mundo. Cito aqui o caso da Finlândia, muito badalada, o caso de Cuba, que também é um modelo que parece de sucesso, e o da Coreia do Sul. Nesses locais existe alguma orientação nos termos do Escola sem Partido?

Acho que essa não é uma preocupação na Coreia do Sul nem na Finlândia. Não vejo isso. Em Cuba acho que existe uma espécie de pensamento único. Então, Cuba é um sistema educacional sem partido.

Ou do partido do poder, não é?

É o partido do poder. O pessoal que defende aqui escola sem partido quer que seja o partido deles. Não existe vazio. São todos os partidos ou algum partido. Cérebro não fica vazio. Acho que esse pessoal que se considera de direita está defendendo uma coisa que existia na União Soviética.

Então eles são comunistas?

São comunistas nas ideias e querem fazer isso para ser contra o comunismo. Isso é muito comum na política: você defende um discurso para servir o contrário, que é o que você quer.

Em nome do anticomunismo, estão criando o comunismo deles

O professor brasileiro hoje, do modo como a educação básica está estruturada, tem a liberdade de falar o que quiser em sala de aula? Ou existem mecanismos de controle?

Acho que existem alguns mecanismos de controle por parte dos sindicatos e por parte da visão partidária do sindicato. Em geral, vamos reconhecer, é mais à esquerda. Acho que existe.

Existe exatamente o quê?

Existe o que se chamava antigamente de patrulha ideológica, de patrulhamento. Existe recusa a ver a realidade, preferindo ver o mundo conforme a narrativa que prevalece em seu partido.

Vou dar exemplo: aqui na UnB tem um "curso sobre o golpe de 2016" [como parte de acadêmicos e militantes qualificam o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), aprovado pelo Congresso em 2016]. Mas não aceitam chamar de golpe o que houve em 1992 com Collor [alvo de processo de impeachment, o presidente Fernando Collor de Mello, então no PRN, acabou renunciando ao cargo]. Então é uma patrulha.

Há uma narrativa de que a emenda constitucional do teto de gastos [proposta pelo governo de Michel Temer (MDB) e aprovada pelo Congresso] limita gastos para a educação. Se você olhar o orçamento, aumentou o gasto com educação nos últimos dois anos. Eles se recusam a ver a realidade porque a narrativa é de que o Temer, com essa lei, teria tirado dinheiro da educação.

[A eleição de] Bolsonaro foi uma surpresa para o senhor?

Se você considera a vitória dele, sim, foi uma surpresa. Mas se considerar a hipótese de ele ganhar, eu era dos poucos que dizia: "Esse cara pode chegar lá pelos erros que nós cometemos". Eu alertava e todo mundo ria: "Ah, qualquer um ganha dele no segundo turno".

E quais foram os erros?

Ah, estou estudando isso. Foram muitos erros dos democratas-progressistas. Identifiquei uns 30 [risos]. Primeiro, não ouvimos o povo. O povo não queria os discursos que nós fizemos. Segundo, ficamos prisioneiros das corporações e não da nação. Quando o Bolsonaro diz "Brasil acima de tudo", é o contrário do que nós fizemos. Nós dizíamos: "O trabalhador do ABC acima de tudo"; "Os professores acima de tudo"; "Os funcionários do Judiciário acima de tudo". Nós "corporativizamos" a República.

Em 2016, em uma carta, eu disse à presidente Dilma: 'Vá ao Congresso e diga: a partir de hoje, meu partido é o Brasil, não é mais o PT'. Foi isso o que Bolsonaro fez: 'Meu partido é o Brasil'"

Não entendemos o espírito do tempo. Para onde o mundo está marchando? As esquerdas não entenderam que a globalização é irrefreável; que a robótica, a inteligência artificial veio para ficar e obriga a nos adaptarmos a ela; não entenderam os limites dos recursos públicos, [pois] continuam achando que o Tesouro do governo é um chapéu de mágico, de que você sempre pode continuar tirando umas fichinhas, chamadas real; não entenderam a nova linguagem que a gente pode trabalhar, WhatsApp, Twitter etc. Foram muitos os erros.

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Cristovam é hostilizado por manifestantes em 2017, em Belo Horizonte
Imagem: DOUGLAS MAGNO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO

O senhor se inclui nesse grupo?

Lógico. Nós erramos. Posso até não ter errado conceitualmente, mas politicamente... Comecei errando ao não conseguir ser o candidato a presidente [da República] do meu partido. Tentei, mas não deu. O PPS se atrelou ao Alckmin [Geraldo Alckmin, presidenciável tucano que acabou na quarta posição, com apenas 4,76% dos votos válidos] e o povo não queria mais saber do PSDB.

O senhor acha que foi punido pela votação a favor do impeachment [como senador, Buarque votou pela cassação de Dilma] e de outras coisas [votou a favor da reforma trabalhista e da proposta de teto de gastos]?

Para dizer a verdade, perdi votos do PT, que fez uma campanha muito dura contra mim aqui [no Distrito Federal]. Mas perdi mais votos porque o povo ainda me vê como petista [filiado ao partido em 1990, Buarque deixou o PT em 2005, após divergências]. Perdi mais votos por ter sido do PT do que por ter votado contra o PT. Essa raiva do PT nós [políticos] também não entendemos, que é uma raiva a todos que estão aí.

Não, não fui punido, apenas deixei de estar sintonizado com o que o povo quer hoje

Quando mostrava na campanha que sou o campeão de leis entre todos os senadores eleitos desde 1988, a sensação que tenho é a de que, em vez de o povo dizer, "Caramba, esse cara, que é um recordista, merece continuar", deve ter pensado, "Se esse cara já fez isso, está na hora de ele ir para a casa, vamos renovar".

O senhor ficou triste?

Triste, não, fiquei frustrado por não estar aqui lutando pelos meus projetos. Porque acho que Bolsonaro vai exigir pessoas aqui que o enfrentem bem. Mas, de certa forma, senti também um alívio. O povo me mandou para casa, pior seria se um infarto me mandasse para o cemitério. Tenho muitas trincheiras para lutar ainda.

A proposta do Bolsonaro de fundir o Ministério da Educação com os da Cultura e do Esporte e levar o ensino superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia, o que é isso?

Sempre defendi que o MEC [sigla do Ministério da Educação] devia ser ministério da educação de base. Para isso, as universidades têm de sair de lá. Hoje o MEC é o ministério do ensino superior, isso, nos últimos 50 anos. Sempre defendi isso: ou criaria o ministério do ensino superior ou, como já tem muito ministério, poria isso na Ciência e Tecnologia. Estou de acordo.

O problema é que Bolsonaro falou em levar as universidades para a Ciência e Tecnologia, mas não falou em ter um ministério da educação de base. Se ele tira as universidades e deixa o MEC do jeito como é, não vai adiantar nada

Inclusive, essa ênfase do senhor na educação de base o colocou na linha de confronto com o PT e com Lula, especificamente, não foi? [Buarque foi ministro da Educação por um ano, 2003/2004, e foi demitido por Lula por discordar da prevalência que o presidente queria dar ao ensino superior.]

Foi isso mesmo. Eu queria que o ministério fosse da educação de base, não queria cuidar de universidade. Até porque a melhor maneira de cuidar da universidade é cuidar da educação de base. Não vamos ter boa universidade enquanto os alunos que entram nela não chegarem preparados. E hoje chegam sem saber ler nem escrever.

cristovam lula - Luiz Carlos Murauskas (20.dez.2002)/Folhapress - Luiz Carlos Murauskas (20.dez.2002)/Folhapress
Ao lado de Dilma e Lula, quando foi anunciado ministro da Educação, em dezembro de 2002
Imagem: Luiz Carlos Murauskas (20.dez.2002)/Folhapress

Qual o futuro do Lula? Como o senhor observa a trajetória dele, também a sua relação com ele?

Não sei qual o futuro do Lula, mas também não sei qual o futuro dos outros 200 milhões de brasileiros. Está difícil saber dele, do PT, do meu partido, de todos nós.

O senhor falou recentemente à "Folha de S.Paulo" sobre a necessidade de manter uma "linha telefônica para Curitiba" a fim de tentar resgatar alguma coisa. O que era? 

Creio que o Brasil só sairá dessa crise com um grande pacto, um grande acordo nacional. Não vejo como haver acordo sem o PT e não vejo como o PT [participar] sem Lula. Em algum momento vai ter de haver diálogo com Lula.

E teria alguma sugestão para o cimento desse pacto, algo que desse a liga?

Não tenho a menor ideia, nem tenho legitimidade para isso, porque acabo de perder uma eleição. Mas vai precisar, sim, desse pacto, uma concertação do tipo chilena [no Chile, Concertación de Partidos por la Democracia, uma coalizão de partidos de esquerda que se formou em 1990 e conseguiu chegar ao poder com Michelle Bachelet duas vezes].

Não existe concertação sem o PT, mas tem gente que diz: "Lula está preso". E tem de continuar preso, porque aí foi a Justiça que mandou. Não estou propondo soltar [o Lula], isso é com juiz, que solta e prende. Mas pode-se dialogar com quem está preso

O De Klerk [Frederik de Klerk, presidente da África do Sul que conduziu parte da negociação que resultou no fim do regime de apartheid, segregação racial como política de Estado, em 1994] dialogou com Mandela [Nelson Mandela, principal liderança da maioria negra sul-africana], quando Mandela ainda estava na cadeia. Não estou comparando Mandela, preso político, com Lula, preso por corrupção. Mas nada impediria um diálogo [com Lula].

Retomando um pouco a discussão sobre o Escola sem Partido. O que é doutrinação, de que os defensores do projeto falam tanto? Qual a diferença entre doutrinação e ensino de pensamento crítico?

A diferença é que a doutrinação tem um viés religioso, que não permite discordância. Se você acredita que o Alcorão é o livro sagrado, não tem jeito de querer dizer a um muçulmano que a Bíblia é um livro sagrado. Se você diz que é a Bíblia, não adianta dizer que é o Alcorão. Aí você doutrina conforme o Alcorão ou a Bíblia. É diferente de quem debate um texto de um ideólogo, de um pensador, que você coloca aceitando que ele não é Deus.

Aliás, entre os erros que nós [democratas-progressistas] cometemos foi querer transformar os líderes políticos em Deus. Acho que entre os maiores erros das esquerdas foi tirar o poder crítico dos filósofos. Nossos filósofos, não vou citar nomes, se subordinaram ao PT.

Não fizeram uma crítica a nada. Pior ainda: não aceitaram autocrítica ou defenderam ideias antigas, do século 19, sem levar em conta o que mudou no mundo.

As ideias das nossas esquerdas envelheceram?

Envelheceram, mas os filósofos, os pensadores continuaram apegados a elas porque diziam que fazer crítica àquelas ideias seria fazer o jogo da direita.

Nossos pensadores fizeram o jogo da direita pelo silêncio. Pelo acobertamento. E pelo culto à personalidade, no caso, o culto ao Lula

Seria o pensamento crítico o cerne da educação?

Claro. Não existe formação sem espírito crítico. Até porque as ideias mudam tão depressa, que, se a gente não prepara o aluno para ser crítico, ele se forma já superado.