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Como 'Malalas' se uniram na luta pela educação de meninas sírias

Malala (esq.) e Muzoon (dir.) - Reuters
Malala (esq.) e Muzoon (dir.) Imagem: Reuters

Lyse Doucet

Correspondente internacional-chefe da BBC News

23/12/2015 16h39

"Duas Malalas é melhor do que uma?", pergunta a reportagem da BBC para as duas sorridentes jovens sentadas no sofá de uma biblioteca no norte da Inglaterra.

A questão provoca alguns risos discretos.

"Ou duas Muzoons", responde Malala Yousafzai, de 18 anos. Muzoon Almellehan, de 17 anos, sorri timidamente para a mais famosa ativista da educação de meninas, e que está rapidamente se tornando uma amiga próxima.

Em um dia frio e chuvoso, as famílias das duas estão reunidas em uma sala com fachada de vidro na Newcastle City Library, que oferece uma abrangente vista do novo lar de Muzoon no Reino Unido.

Sua família está entre as primeiras a chegar ao Reino Unido vindas dos campos de refugiados localizados nas fronteiras da Síria.

Sobrevivente de uma tentativa de assassinato cometida pelo Talebã, a paquistanesa Malala viajou dois anos atrás para a fronteira da Síria com a Jordânia para conhecer refugiados que fugiam da guerra civil.

Foi quando ouviu falar de uma garota apelidada de "Malala da Síria".

À época, Muzoon ia de tenda em tenda no campo de refugiados para encorajar pais a educarem suas filhas, em vez de casá-las.

As vidas das duas garotas foram transformadas para sempre por causa de dois conflitos bastante diferentes. Agora, elas são estudantes no Reino Unido, e veem suas vidas passarem por uma nova e profunda mudança.

"Nós queremos um exército Malala-Muzoon para inspirar garotas a lutar por seus direitos", diz Malala, enquanto Muzoon acena firmemente em sinal de apoio. "Sempre quisemos trabalhar juntas, e agora nós podemos."

O próximo projeto de ambas, em prol da educação de garotas sírias, será lançado durante uma conferência de ajuda humanitária em Londres, no início de fevereiro.

Encontro

Malala já é uma bem-sucedida ativista e tem um fundo em seu nome que não para de crescer em escala e ambição.

A reportagem da BBC assistiu, em julho, a sua entrada na vida adulta em uma incomum celebração de aniversário de 18 anos - ela cortou um bolo em formato de escola na abertura de seu primeiro colégio para garotas sírias.

Mesmo com esse histórico, a jovem militante - dona de um Prêmio Nobel - faz generosos elogios à amiga síria, que é apenas um pouco mais jovem e bem menos experiente no mundo das campanhas humanitárias.

"Eu estava com algumas estudantes no campo de refugiados na Jordânia quando uma delas me disse: 'É maravilhoso te conhecer, mas não foi você, foi Muzoon quem me inspirou a estudar", recorda Malala.

Ela também lembra a horrível situação local, em "campos sem eletricidade, que ficam muito quentes no verão e muito frios no inverno".

"É sempre difícil começar algo", diz Muzoon ao refletir sobre sua nova vida no Reino Unido, um local cuja cultura é totalmente diferente da sua.

Sua fluência no inglês melhorou bastante nos últimos anos. Dominar totalmente a língua é agora uma de suas metas, para que assim possa "conversar com Malala sobre tudo" e perseguir o sonho de se tornar jornalista.

Drama dos refugiados

As duas garotas foram criadas em conservadoras famílias muçulmanas e têm pais professores, que despertaram em ambas a paixão pela educação.

Enquanto elas conversavam, os pais de ambas debatiam com a ajuda de um tradutor. As mães das duas também encontraram formas de superar as barreiras da língua.

O drama dos milhares de refugiados sírios que partem em perigosas jornadas em busca de segurança na Europa está na cabeça de Malala.

"Nós dizemos que não podemos resolver esse problema porque a quantidade de refugiados é muito grande", afirma ela, citando uma estimativa de 4 milhões de pessoas.

"Mas eu lancei mão de uma calculadora", diz. "Se cada país acolher 50 mil ou mesmo 25 mil refugiados, nós podemos resolver isso."

A reportagem da BBC lembra então que países como o Reino Unido, que prometeu receber 20 mil refugiados sírios nos próximos cinco anos, afirmam não ter como arcar com os custos de acolher mais pessoas.

"Eu não estou muito certa sobre a situação da economia da Grã-Bretanha, mas tenho certeza de uma coisa: nós temos condições de ao menos ajudar pessoas", ela insiste. "É um país desenvolvido, e nós precisamos de coragem e força para aceitar que é nosso dever ajudar as pessoas."

Uma das maiores preocupações de Muzoon é a questão das adolescentes forçadas a se casar. Segundo entidades de ajuda humanitária, o número de casamentos envolvendo meninas vem aumentando assustadoramente, ao ponto de hoje já representarem um terço das uniões ocorridas nos campos de refugiados.

"Por causa de suas tradições, muitos pais pensam que vão dar um bom futuro a suas filhas se as casarem", explica a ativista. "Eles estão parando de educá-las, e nem imaginam que o melhor jeito de protegê-las é com o estudo."

Malala acrescenta: "Se esperamos poder reconstruir a Síria um dia, isso não vai acontecer se 2 milhões de crianças refugiadas forem totalmente privadas de educação."

Paz na Síria

Há ainda outra iniciativa na cabeça das duas ativistas.

"Nós queremos lançar uma campanha para marcar 2016 como o ano em que, esperamos, a guerra acabará e a paz será restaurada", diz a paquistanesa.

"Precisamos ser otimistas, tenho esperanças de que meu país ficará livre da guerra", acrescenta Muzoon.

No próximo ano, o desafio de acabar com a devastadora guerra na Síria irá testar a determinação dos mais poderosos líderes mundiais e dos mais experientes diplomatas.

Enquanto isso, as duas militantes terão trabalho mais do que o suficiente para fazer, incluindo suas próprias lições de casa.

"Que cursos você fará neste ano?", pergunta Malala a Muzoon enquanto as duas estudantes se retiram para um canto quieto da biblioteca.

É o começo de uma nova conversa. Parte dela será ouvida ao redor do globo.