Topo

Direito à moradia, Vila Soma e os desafios da educação para os direitos humanos

Guilherme Perez Cabral

18/01/2016 06h00

A educação para os direitos humanos é um processo complexo, complicado. E, embora falível, absolutamente necessário e urgente.

Educar remete ao esforço para a conquista de nossa humanidade, ensina o Prof. Manfredo A. de Oliveira. Envolve, por isso, o reconhecimento do conjunto de direitos que nos constitui como pessoas e a partir do qual, então, nos identificamos apesar de todas as diferenças.

Dentre os direitos fundamentais, destaco, hoje, a moradia. Ela aparece, ao lado da educação, no rol de direitos sociais previstos no Art. 6º da Constituição Federal. Sim, está prevista no texto constitucional. Mas, infelizmente, ainda precisamos apelar ao Supremo Tribunal Federal para garanti-la, precária e minimamente. Explico.

Decisão do ministro Ricardo Lewandowski, na semana passada, suspendeu, aos quarenta e cinco do segundo tempo, a reintegração de posse da Vila Soma, no município de Sumaré, distante aproximadamente 100 km de São Paulo. A ocupação reúne mais de duas mil famílias, cerca de dez mil pessoas.

O imenso terreno, onde funcionou fábrica, que dá nome à Vila, ficou abandonado por mais de vinte anos, depois da falência da empresa. O processo judicial se arrasta desde 1990, sem solução. Ninguém se preocupou, durante tanto tempo, em dar a devida função social à propriedade. Descaso do Poder Público.

Pois bem. As famílias ocuparam o lugar. Estão lá desde 2012. Então, todo mundo correu para tirar os “invasores”! Vai que a moda pega, disseram. O bem mais precioso de nossa sociedade e das pessoas de bens foi atacado: a propriedade privada. Danem-se as pessoas, incluindo crianças e idosos, que ocupam a área até pouco tempo atrás esquecida por todo mundo.

Não aprendemos nada com o drama de Pinheirinho e do seu exército de Brancaleone, em 2012. Naturalizamos o desrespeito sistemático aos direitos dos outros, criminalizando a atuação legítima de movimentos sociais.

Ocorre que as demandas de uma vida digna não podem aguardar os bons resultados da educação. Elas são muito urgentes.

No país de “Justos Veríssimos”, personagem tão real de Chico Anísio, com o lema “Eu quero que pobre se exploda”, os desafios impostos aos direitos humanos e à educação para sua efetivação são gigantescos.

Como “educar” para o respeito aos direitos humanos, o juiz, o promotor de justiça, a prefeita de Sumaré, o governador do Estado? Como fazê-los compreender de forma menos rasa a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia? Como ensiná-los que, tanto quanto a propriedade privada, a função social da propriedade é princípio constitucional de nossa desordem econômica?

A decisão do Supremo reconhece o óbvio. Triste ainda precisarmos dela. Suspende a iminente desocupação, a ser executada pela força policial, desacompanhada de cuidados mínimos com o destino que seria dado às famílias. Elas não têm para onde ir!

A cultura de respeito aos direitos humanos não será construída por medidas judiciais, definitivamente. Ela envolve, sem dúvida, a permanente luta e resistência daqueles cuja voz não é ouvida, cujas pretensões são ignoradas. A luta dos que não têm nada a perder, visando a restabelecer a possibilidade da convivência e do diálogo negado.

Legítimos moradores da Vila Soma, estamos aprendendo muito com vocês. Resistam. E continuem dando lições de cidadania, direitos humanos e democracia ao Estado brasileiro.