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Por que o PM que anda de ônibus bateu no manifestante?

Guilherme Perez Cabral

25/01/2016 06h00

Outro dia, um professor muito querido, magistrado trabalhista, chamou minha atenção para reflexão importante: não é improvável que o policial que reprimiu os protestos de estudantes contra a reorganização da rede de ensino de São Paulo (que fecharia quase uma centena de escolas), no final do ano passado, tenha estudado ou tenha um filho que estuda na escola pública. Teria, portanto, interesse na luta pela sua melhoria.

O raciocínio se aplica a tantas outras situações. É razoável supor, também, que muitos praças que atuaram, com violência, nos protestos contra o reajuste da tarifa do transporte público, neste início de ano, andem de ônibus.

Meu professor lembrava, também, do diálogo, no filme “Gangues de Nova York” (Martin Scorsese, 2002), ambientado no Século 19, em que um rico dizia a outro: “Sempre se pode contratar a metade dos pobres para matar a outra metade”.

A contradição é nítida. E não é de hoje. Soldados armados combatem seus próprios interesses, pelo cumprimento da ordem superior. Lutam contra quem, em última análise, age em sua defesa. De longe (da frente de combate e da posição social), quem determina a operação deve andar de carro, sem necessidade de transporte público. Matricula seus pequenos em colégio privado.

E a educação?

Não dá para pensar uma autêntica educação sem que se enfrente tamanha contradição. Como nos alerta Moacir Gadotti (Educação e Poder: Introdução à Pedagogia do Conflito, Cortez Editora, 1980), a escola deve se construir como espaço de “conflito” de diferentes perspectivas e não de dominação de uma única ideologia. É preciso que a educação nos abra os olhos para as contradições existentes, esclarecendo-as em vez de omiti-las. Desvele-as para que sejam superadas. 

Contra a ordem profundamente injusta que está aí, a “pedagogia do conflito” aparece como um caminho para que nossos soldados, diante de tanta contradição, habilitem-se para a prática de uma nova contradição, a de dizer ao comandante: “não”.

Porque ninguém detém a forma “certa” de ver as coisas, porque, simplesmente, não existe a forma certa de vê-las. Quem sabe, a abertura de nosso olhar para a realidade traga, finalmente, à consciência quem são os verdadeiros “inimigos”, permitindo que nos confraternizemos com nossos semelhantes do outro lado da barricada.

Possibilite o confronto com a ordem vinda de cima, ao evidenciar sua injustiça e a realidade privilegiada dos que, há tempos, mandam no jogo.