Vamos falar sobre a educação política das crianças?
Uma brecada brusca e um palavrão raivoso lá fora. Meu filho de 5 anos, aqui dentro, se vira para mim e diz: “coisa de Dilma, né”? Não poderia definir, com precisão, o que quis dizer, mas, para ele, era ruim. Demorei a responder. Parei e pensei. Por que a pergunta leva a questão importante nesses dias de janaínas, irracionalidade e ódio: a educação política das crianças.
A criança não deve crescer numa bolha de mentirinha e, depois, cheia de conceitos abstratos, aprendida a democracia como teoria sem prática (ou negada na prática), ser lançada ao mundo. Assim, não há preparação ao exercício da cidadania, como manda a Constituição.
A democracia, ensina Dermeval Saviani, só é realidade como ponto de chegada (não de partida): “é uma conquista; não um dado”. Nesse assunto, aos pais e professores, cabe a tarefa docente fundamental.
A criança não está preparada para nossos rancores, frustrações e vaidades. Não dialoga com o adulto em igualdade de condições. Precisa, antes, ingressar suficientemente no “mundo” dos adultos, para, então, com suas ferramentas, criticá-lo e melhorá-lo (porque anda muito ruim). E somente chega aí, a partir da prática do diálogo em construção; do “por quê?” denunciador de sua presença; da formulação de respostas sempre mais elaboradas. Da leitura cada vez mais profunda de um mundo cada vez maior.
A educação política da criança se confunde com a preparação para a vida, na escola e fora dela. Tem direção: a consciência crítica, o “espírito científico” questionador, que não se contenta com verdades rasas. A mente que se sabe “errante” e, por isso, está sempre aberta a rever certezas tomadas de empréstimo. Não tem nada a ver com doutrinação, com a disciplina da educação moral e cívica, na grade escolar. Não tem nada a ver com ensinar a odiar seja lá quem for.
Passa pela elaboração, com a criança, da ideia de que pode ser muito melhor incluir o outro, do que excluí-lo. Na sociedade da competição, e não da cooperação, quando ganhamos, ganhamos sozinhos, em detrimento dos demais. Perdemos chance de andar junto, quando a probabilidade de acerto é maior.
Demanda tomar como ponto de partida o respeito ao outro. Não pode desrespeitar alguém por ter opinião diferente. A diferença é essencial para o aprendizado. O uniforme é monótono, não muda.
Exige colocar para a criança, como questão ética, se vale tudo para atingir um objetivo. E trazer o “não” como a nossa resposta. Não vale sacanear o outro, desrespeitar as regras, para conseguir o que se quer, mesmo que se queira muito.
Dilemas morais são bons aqui. Uma situação em que se abrem alternativas: beneficiar-se em prejuízo de alguém com quem se desentendeu, ou reconhecer a falta, assumindo os efeitos colaterais da consciência tranquila (e honesta).
Precisamos conversar sobre cidadania com as crianças. Conversas que, aos poucos, caminhem para situações mais complexas: valem mentiras e estelionatos eleitorais para se eleger? O que dizer do engravatado que, eleito na cola de outro, conspira para tomar seu lugar? O que dizer de quem apoia um bando de corruptos incompetentes, sob o argumento que se vale desse meio podre para o “fim nobre” de derrubar um corrupto incompetente?
Só mais um tema. Que tal debater com as crianças as derrotas que devemos e aquelas que não devemos aceitar? Quando a gente perde um jogo (no futebol ou na eleição, por exemplo), mesmo quando tudo o que mais queria era vencê-lo, se o correto não é aceitar a derrota. Parar e refletir sobre os acertos e desacertos. Seguir a vida, esforçando-se para melhorar o nível do jogo, jogar melhor e vencê-lo na próxima vez.
Sobre a resposta dada ao meu filho, à pergunta lá em cima. Disse que era só mais um cara raivoso, mal-educado, que não sabe conversar.
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