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Estamos debatendo o uso de armas letais contra estudantes. É sério?

Guilherme Perez Cabral

16/05/2016 06h00

No final do mês passado, estudantes adolescentes ocuparam o Centro Paula Souza, que administra as escolas técnicas (Etecs) em São Paulo. O Governo conseguiu ordem judicial para a reintegração de posse. Contudo, uma decisão do juiz Luís Manuel Fonseca Pires proibiu, na retirada dos alunos, a utilização de qualquer arma, letal ou não. Alckmin ficou inconformado e, por meio de outra ação judicial, afastou a restrição: se a Tropa de Choque precisasse, podia sim dar porrada nos “invasores”. A ordem foi cumprida. Ninguém levou tiro.

Fiquei pensando no ponto em que chegamos. Por que estamos discutindo usar ou não gás de pimenta, cassetete e bala de borracha contra adolescentes que reivindicam a melhoria da educação?

Mais um exemplo triste de como o Governo, com seu discurso pseudotécnico, trata temas sociais como caso de polícia. Os alunos denunciam as condições precárias da escola em que estudam. Protestam contra a “máfia da merenda” e a realização “silenciosa” de reorganização escolar. Questionam a desvalorização dos professores.

Alckmin reduziu a questão à “posse” do imóvel, onde funciona a entidade pública. Chama os estudantes de “invasores”. É verdade, dedica dois parágrafos de sua petição dirigida ao Tribunal de Justiça ao tema “Dos graves prejuízos à educação decorrentes da continuidade das invasões”. Mas não diz nada. É claro, nenhuma linha sobre os danos decorrentes de seu descaso com a educação.

Levando a questão ao Judiciário, sem querer conversa, fala do esgotamento da via da conciliação (que não começou!). Nega, de saída, a possibilidade do diálogo. Ignora o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público.

E, consegue a chancela do Judiciário para o uso de armas contra os alunos! O emprego da força “escalonada” é indispensável, afirma o governador. Baseia-se em manifestação técnica da Polícia Militar: a mesma que, no momento da ocupação, distribuiu gás de pimenta a quem passava na rua. Sobrou até para repórter que cobria o caso.

Lembro que a Constituição estabelece a prioridade absoluta aos direitos das crianças e adolescentes, colocando-os a salvo de toda forma de violência. Dentre os direitos citados, a educação. Sim, está previsto no texto constitucional.

Eu sei. Vão dizer: é um bando de vagabundo, meliante, baderneiro. Tem que apanhar mesmo. Aluno tem que assistir à aula, estudar, fazer silêncio. No meu tempo, a escola não era assim! A gente respeitava (ou temia?) a autoridade. Cantava o hino nacional.

Quando ouço isso, penso: e qual foi o legado deixado pela educação do “passado” que muitos elogiam, como modelo autoritário do que é certo? Qual foi o Brasil que ela construiu?

Entre a deseducação que o Alckmin defende, chamando aluno que luta pelo seu direito de “invasor”, discutindo o uso de arma de fogo contra adolescente, chamando Tropa de Choque para resolver assunto educacional, e a pauta de reivindicação dos “invasores”, eu fico com estes, sem dúvida.

Não é uma boa ideia fechar a porta do diálogo. Substituí-lo pelo uso “escalonado” de força. Não dá certo responder a quem discorda com murro e gás de pimenta na cara. Porque, dessa forma, sobrará apenas uma alternativa aos alunos e a todos aqueles que ainda não se perderam. Reagir.

Já vimos esse filme.