Publicidade e consumo a desserviço da educação
Intervalo comercial no canal infantil. Dispara a metralhadora publicitária direcionada às crianças na frente da TV. Na quinta ou sexta propaganda, meu filho de cinco anos pede o novo brinquedo então apresentado: “presente de dez anos, papai” (já havia reservado mentalmente todas as datas até lá, aniversários, dias das crianças e natais, aos produtos oferecidos em comerciais anteriores).
Não achei engraçado. Pensei num monte de coisa. Pensei na criação agressiva de necessidades de consumo. Sabemos, a lógica está invertida: não se produz de acordo com as necessidades das pessoas e, sim, criam-se necessidades nas pessoas de acordo com o que se produz. Produtos animados demandando consumidores inanimados, insaciáveis e imediatistas. Formemo-los desde cedo.
Pensei na redução das relações humanas a relações de consumo, entre fornecedores e consumidores, mediados pela publicidade que não se distingue, em última análise, da mentira. Por toda parte, oferecem-se bens, vantagens e utilidades, mediante pagamento (nada é de graça). Tudo está à venda e tem um preço: beleza, alegria e abraço; coisa, bicho e gente. Vivemos assim, induzindo o consumo das coisas e de nós mesmos, mediante falsas promessas publicitárias.
Não dá para ser feliz. Pois – vai aqui mais uma verdade dita por Debord –, adquirido o brinquedinho desejado, quando ele entra na sua casa, ao mesmo tempo em que entra na casa dos demais consumidores, ele se torna vulgar. Revela sua pobreza essencial. Mas um novo, que ainda não temos, vem a galope, para ser desejado. Nem notamos que “Cada nova mentira da publicidade é também a confissão da mentira anterior”.
Pensei, também, nas ferramentas que dispomos para formar cidadãos que não sejam meros consumidores: meios para proteger a saúde mental das crianças dos vendedores ensandecidos e de suas ofertas, vindas de todos os lados.
Há um caminho legal, mas veja a ironia: reconhecer a criança como um consumidor e se valer da lei que o protege. O Código de Defesa do Consumidor veda a publicidade abusiva, assim considerada aquela que, dentre outros excessos, “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”.
Existe, também, o Código de Autorregulamentação Publicitária. As próprias associações envolvidas com a publicidade, no Brasil, estabeleceram suas normas “éticas” de convivência. Em relação ao público infantil, o Código proíbe, por exemplo, que anúncios dirijam apelo imperativo de consumo diretamente à criança. Exige, ainda, respeito a sua dignidade, credulidade e ingenuidade.
O problema gravíssimo que vejo nessas saídas jurídicas é partir do ponto de que, em alguma medida, é possível haver “ética” e “respeito” numa publicidade destinada a uma criança. Que é possível direcionar um comercial ao público infantil sem, com isso, atuar de forma abusiva e antiética.
Algo mais ou menos assim: publicitários e empresários, vocês podem, sim, estimular o consumo numa criança de 5 anos! Podem, sim, criar necessidades nela, sugestionando-a a desejar seu produto e a querer tê-lo porque o personagem do desenho também tem! Mas, tomem cuidado, viu! Sejam legais. Façam isso de maneira responsável!
Pensei, é claro, contra tudo isso, no caminho complicado que se impõe à educação, ela também um serviço à venda no mercado, inserida na lógica de consumo. Fica muito difícil formar cidadãos, a partir de relações desumanizadas e mercantilizadas, disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor e afundadas nessa antiética publicitária.
Pensei, enfim, que, talvez seja só preocupação de comunista esquerdopata. Melhor é consumir um trago de alegria. Acreditar que está tudo certo e que tudo podemos, como na propaganda de cerveja, carro ou banco.
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