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A cobrança de cursos de especialização por universidades públicas

Guilherme Perez Cabral

18/07/2016 06h00

Universidades públicas cobram pela oferta de cursos de especialização e de extensão. Valem-se, não raro, de instituições “de apoio” intermediárias. Mas não podem. A prática viola a legislação educacional. No Brasil, por enquanto, o ensino público é gratuito. Está no Art. 206, inciso IV, da Constituição Federal. É um princípio constitucional.

E, nesse ponto, a Constituição se refere a ensino em sentido amplo. Não faz qualquer distinção. A regra se estende, portanto, à educação básica e à superior, incluindo, sem exceção, a graduação, a pós-graduação, “stricto sensu” (mestrado e doutorado) e “lato sensu” (especialização), e os denominados cursos de extensão.

Temos que reconhecer o esforço interpretativo para retirar sentidos do texto constitucional é enorme. Cabeças pensantes criando “razões” para nos convencer de que a Constituição, na verdade, não prevê o que prevê.

Aliás, faz isso o próprio CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação) e responsável pela análise de questões relativas à aplicação da legislação educacional. Em parecer de 2002, argumentou, em linhas gerais, que o ensino de especialização não é, digamos assim, exatamente ensino. Por isso, concluiu, é correta a cobrança por instituições públicas. Fiquei confuso.

O descaramento não pegou na Justiça Federal, que considerou inconstitucional a cobrança de mensalidades realizada pela Universidade Federal de Goiás. A instituição recorreu ao Supremo Tribunal Federal, onde a matéria aguarda julgamento desde 2012.

Pois bem. Como o Judiciário não ajudou muito, nesse caso, a esvaziar o direito à educação, melhor resolver o imbróglio de outra forma: mudar Constituição! Tira o direito social de lá e fica tudo certo. Proposta de Emenda Constitucional, que tramita no Congresso Nacional, pretende “constitucionalizar” a prática, confirmando a posição já defendida pelo MEC e o CNE. A intenção, por ora, é limitar a gratuidade, excluindo dela a pós-graduação “lato sensu” e os cursos de extensão.

Não quero, aqui, negar a validade do debate sobre a gratuidade do ensino público, atentando-se, de qualquer forma, para a regra de que, hoje, não pode cobrar. Não se trata de questão que não possa ser revista futuramente. A cobrança não precisa ser vista como um mal em si.

Confesso, incomoda-me bastante ver que vagas gratuitas em universidades públicas ficam com alunos ricos, cujos pais puderam pagar pela educação básica de qualidade. Já o pobre, que, não se esqueçam disso, também paga imposto e, assim, custeia o ensino superior público, não tem acesso a ele. No final das contas, financia o estudo do rico! Sacanagem.

O debate, porém, terá hora e lugar melhor para ser feito.

Antes de atingir o direito social à educação, tem muito gasto inútil e perverso para ser cortado. Muita coisa errada para ser corrigida. Muitas prioridades a serem revistas. Já falamos disso. Urgente é jogar menos dinheiro fora com quem tem muito (e, por isso, manda no jogo), para investir mais em quem pouco ou nada. Reduzir privilégios de políticos e agentes do Estado, seus auxílios paletós e moradia. Cortar benefícios tributários concedidos a empresários para que lucrem mais. Etc. e etc. Poderia sobrar algum dinheiro, quem sabe.

Mas isso os figurões não querem debater. Vale a luta, portanto.