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Quando a exceção vira regra no Estado de exceção

Guilherme Perez Cabral

03/10/2016 06h00

Em termos educativos, justificar ações que fogem à regra e ao direito democrático, afirmando a excepcionalidade do momento vivido, é muito ruim. Não é tão simples, como pode parecer, saber o momento de parar. A situação excepcional pode se tornar a regra e o Estado de exceção.

A imposição da reestruturação do ensino médio, pela via excepcional de uma medida provisória, passando por cima dos debates que ocorriam sobre o tema, não foi algo isolado.

Vem no contexto da derrubada da Presidente da República, num “tropeço na democracia”, nas palavras eufemísticas do Ministro do STF que presidiu o julgamento. Vem no contexto em que o Poder Judiciário decidiu que a divulgação ilegal de conversa telefônica entre Dilma e Lula, pelo Juiz Moro, não é ilegal. A atuação de Moro, na “Lava Jato”, configuraria um caso excepcional que escaparia às regras do Estado Democrático de Direito. Noutras palavras, excepcionalmente, ele não precisa cumprir a Constituição.

Familiares, pessoas próximas e queridas, conhecidos, desconhecidos aplaudiram tais medidas. Tomemos as ações necessárias, agora! Apoiemos Temer, Cunha (depois os descartamos)!, dizem. O momento é excepcional, é transitório. Como afirmou uma vez a Ministra Carmen Lucia, do STF: “tal como a quimioterapia impõe que se agridam células boas para atingir e exterminar células más, a fim de salvar o corpo do doente”, há de haver remédio que proteja nossas instituições de doenças que atingem sua saúde ética e jurídica.

Vivemos um período de exceções. Um estado de exceção, oposto ao estado de direito (de respeito aos direitos). A pergunta que fica é: saberemos o momento de parar com as excepcionalidades, restabelecendo a “normalidade” democrática?

O filme “Julgamento em Nuremberg” (1961) trata do julgamento, em 1948, de quatro juízes do regime nazista que, no exercício de suas funções, decidiram a favor do Holocausto. Entre eles, está Ernst Janning, renomado jurista cujo alinhamento ao nazismo a todos estranha.

Em seu depoimento, descreve o momento histórico alemão, no qual “tínhamos uma democracia, sim. Mas era deturpada por seus elementos”. Explica a ascensão de Hitler, que, apontando os “demônios” que entre eles havia, convenceu o povo de que “quando os demônios forem destruídos as misérias serão destruídas”.

E aqueles que sabiam das mentiras contidas nessas palavras? Por que aceitaram o projeto nazista? Janning responde e sua resposta vale para nós, neste momento em que a democracia está deturpada e os demônios a serem destruídos já sabemos quem são. Mudou a cor da estrela. A dos judeus era amarela. A dos tidos como “demônios”, hoje, é vermelha.

Janning diz: “que diferença faz se alguns políticos extremistas perdem seus direitos? Que diferença faz se alguma minoria racial perde seus direitos? Era apenas uma fase passageira. Apenas um estágio que atravessamos. Seria descartado, cedo ou tarde. O próprio Hitler seria descartado cedo ou tarde. O país está em perigo”.

Porém, nesse processo deseducativo, continua o juiz no banco dos réus, a situação excepcional se tornou a regra e o que deveria ser uma etapa de transição virou um “modo de vida”.

Familiares, conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, em que medida, ao aceitar esse estado de exceções que vivemos, não estamos agindo como o juiz Janning? Em que medida não estamos fazendo disso o nosso modo de ser?