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Saudades do Butão

Christianne González/UOL
Imagem: Christianne González/UOL
Lucila Cano

09/01/2015 06h00

A vida no Butão seria tema interessante para provas de redação nos exames vestibulares. Há tempos, o pequeno país da Ásia entre Índia, China e Nepal é protagonista de notícias positivas na imprensa mundial. Discorrer sobre ele daria a nossos vestibulandos a oportunidade de demonstrar raciocínio, fluência verbal, riqueza de vocabulário e muito mais: conhecimentos de geografia, história, religião e economia sustentável, entre outros.

A despeito de ter algumas informações em arquivo, sou sempre surpreendida por novidades que chegam do Butão. A que primeiro pegou a mim e a muitos foi a proposta do Índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) para medir o desenvolvimento de um povo.

Agora, leio a notícia de que o país tenciona tornar-se o primeiro do mundo a ter uma produção de alimentos exclusivamente orgânica antes de 2020, com vistas, inclusive, a exportar produtos naturais para vizinhos como China e Índia.

Dinheiro e felicidade

Em oposição ao dito popular de que “dinheiro não traz felicidade, compra”, o Índice FIB praticado no Butão a partir do início dos anos 1970 tornou o país conhecido no resto do mundo. Se não foi convincente o bastante para ser adotado além das fronteiras butanesas, suscitou muita discussão quanto à eficácia do PIB (Produto Interno Bruto) como única medida de prosperidade dos países.

É bem verdade que atualmente acrescentamos outros indicadores aos percentuais do PIB. Com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) defendido pela ONU, ampliamos a visão de como a vida segue, não só pela riqueza material acumulada, mas também pelos níveis de educação e longevidade das populações.

O FIB vai ainda mais longe. Propõe medidas ditas “relativas” e, talvez por isso, não tenha sensibilizado pesquisadores na mesma proporção em que o fez com grupos de otimistas.

Para saber em que grau de Felicidade Interna Bruta estaríamos, seria preciso avaliar, então, os diversos componentes de nove dimensões gerais: Bom padrão de vida econômico; Gestão equilibrada do tempo; Bons critérios de governança; Educação de qualidade; Boa saúde; Vitalidade comunitária; Proteção ambiental; Acesso à cultura; Bem-estar psicológico.

De qualquer maneira, o início de um novo ano é propício para a renovação de compromissos com a qualidade da vida. Os itens alinhados pelo FIB no Butão rezam que o crescimento econômico deve estar em equilíbrio com o crescimento social, ambiental, espiritual e cultural. Conseguiremos, algum dia?

Fome de orgânicos

O projeto Organics Brasil encerrou o ano de 2014 com 60 empresas associadas e exportações dos segmentos de alimentos, cosméticos, serviços e têxteis da ordem de US$ 136 milhões.

Em 2015, a associação completa dez anos e trabalha para formar uma entidade setorial com representatividade nacional. Um dos objetivos é preparar o setor para que, até 2020, o mercado no Brasil represente algo em torno de R$ 10 bilhões.

Curiosamente, o Butão coloca a meta de uma agricultura cem por cento orgânica no mesmo horizonte de 2020. Desconheço a capacidade de produção do país e se teria condições de suprir a “fome verde” de populações gigantescas, como as da China e da Índia. Mas, a proposta acalentada serve de estímulo para o Brasil.

Segundo a Organics Brasil, a exportação orgânica dos segmentos já mencionados cresceu de US$ 58 milhões em 2008 para os atuais US$ 136 milhões, sendo que o potencial do mercado global é de US$ 64 bilhões.

Para os padrões ocidentais, a realidade do Butão é um misto de extrema miséria e constantes desafios no alto da Cordilheira do Himalaia. A população de pouco mais de 750 mil habitantes é totalmente desprovida dos avanços da moderna tecnologia e sofre em ambiente inóspito, cada vez mais vulnerável às mudanças climáticas.

No entanto, é de lá que, vez por outra, surgem ideias inspiradoras que, se não transformam, ao menos provocam o mundo e deixam saudades.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.