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Cartas trocadas

Lucila Cano

11/11/2016 12h19

Em 19 de outubro, mais de 100 estudantes entre 13 e 14 anos de idade participaram de encontro do projeto Estação Memória. Eles são alunos atendidos gratuitamente no Centro Educacional da Fundação Salvador Arena, situado em São Bernardo do Campo (SP). O projeto busca criar uma ponte de comunicação entre jovens e idosos por meio de memórias.

Iniciado em caráter de pesquisa, em 1997, o Estação Memória surgiu da iniciativa dos professores Edmir Perroti e Ivete Pieruccini, do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Trata-se de uma ação interdisciplinar de incentivo à leitura e consequente melhora na escrita dos jovens que interagem com os idosos. Neste caso, um grupo de 25 pessoas com idades entre 70 e 90 anos. Elas se reúnem uma vez por semana para escrever cartas que, depois, são direcionadas aos jovens.

Compartilhar experiências

As brincadeiras infantis foram o tema do encontro de gerações no Centro Educacional da Fundação Salvador Arena. Idosos e jovens do oitavo ano do Ensino Fundamental já se correspondiam desde o início do ano e suas cartas puderam ressaltar as visões de duas pontas geracionais. De um lado, as lembranças de brincadeiras de quase um século atrás. No passado, muitos brinquedos eram criados pelas próprias crianças, com materiais muito simples, como caixas de papelão, pedaços de madeira, latinhas e barbantes. De outro lado, o convívio com a tecnologia, que surpreende adultos e crianças, e as atividades de lazer atuais.

No Centro Educacional, essa não foi a primeira vez que o projeto Estação Memória aproximou gerações. Edições anteriores abordaram temas como adolescência, esportes, era do rádio e ditadura militar no Brasil. Sempre com o apoio dos profissionais da rede de bibliotecas interativas do Centro Educacional e de professores de português, informática e história.

Segundo Miriam Nascimento, coordenadora da rede de bibliotecas interativas, o projeto incentiva a pesquisa e amplia o vocabulário dos alunos: “para compreender algumas expressões utilizadas pelos idosos, os alunos precisam recorrer a livros, revistas e vídeos. Desta forma, além de partilhar experiências e entender a importância de valorizar o passado e respeitar os mais velhos, os alunos trabalham em equipe, desenvolvem a escrita e o hábito de leitura”.

Um filme e uma lembrança

Para as gerações atuais, a palavra carta pode soar assustadora e antiga. Mas, na verdade, as mensagens pelo celular e nas redes sociais são cartas, mesmo que ligeiras, de poucas palavras e muitas abreviações. Escrever é um jeito de se comunicar e faz muito bem. Aproxima pessoas e amplia o conhecimento das palavras e do que elas significam. Melhora com o tempo e com a prática.

Curiosamente, há alguns dias, assisti a um filme indiano no Canal Futura, que tem tudo a ver com o assunto deste texto. Chama-se “The lunchbox” (lancheira, marmita) e foi exibido no Brasil, provavelmente com o título original. Ganhou, inclusive, prêmio do júri de melhor-longa metragem na 10ª edição do Amazonas Film Festival, em novembro de 2013. Não vou fazer aquilo que as pessoas chamam de “spoiler”, ou seja, contar o filme e seu final. A história é encantadora e se desenrola a partir da troca de bilhetes entre duas pessoas. A marmita é o veículo para as mensagens. Acredito que, para quem se interessar, é possível acessar o filme pela internet.

O projeto Estação Memória também me fez lembrar da pesquisa realizada pela professora Divina de Fátima dos Santos entre 2010 e 2014. Cheguei a entrevistar a professora, que é psicóloga e mestre em Gerontologia pela PUC-SP e escrevi sobre o seu trabalho há dois ou três anos. Ela pautou sua tese na troca de cartas entre crianças e idosos da cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo e investigou o quanto o ato de escrever sobre a vida cotidiana pode estar associado à autopercepção das pessoas.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.