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História da ciência (2) - Com Galileu, tem início a experimentação metódica

Carlos Roberto de Lana, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Nosso pequeno passeio pela história da ciência fez sua primeira parada na Grécia antiga, quando lembramos Aristóteles e suas importantes contribuições para o desenvolvimento científico - lógica, observação e descrição metódica da natureza, e investigação das causas dos fenômenos.

Vamos parar agora na Itália dos séculos 16 e 17. Antes de falarmos mais sobre quem vamos visitar, cabe destacar que muita coisa aconteceu na história da ciência entre estas nossas duas paradas.

 

Um intervalo de dois mil anos na história da ciência

Os romanos fizeram grandes progressos na área da técnica desenvolvendo grandes obras de engenharia, os chineses fizeram descobertas importantes em diversos ramos, os árabes muçulmanos com sua alquimia fizeram avançar a química e a farmacêutica e com sua álgebra ampliaram os horizontes da matemática. Além disso, muitos outros povos olharam os céus e aprenderam os fundamentos da astronomia, construindo grandes monumentos para estudar as constelações, dentre outros muitos avanços alcançados em vários lugares e épocas.

É importante dizer que, mesmo durante a Idade Média na Europa, um tanto preconceituosamente chamada de Idade das Trevas, muitos cientistas continuaram estudando a natureza e registrando suas conclusões. O fato de, na época, não haver uma distinção clara entre o que hoje chamamos de ciência e de misticismo, faz muitas valiosas descobertas medievais serem lembradas com um injusto desprezo.

Um exemplo disso é a inexistência de diferenciação entre a astrologia mística e a astronomia científica, durante a era medieval, o que não diminui em nada a importância de suas meticulosas observações sobre a localização e movimento dos corpos celestes.

Mas se a ciência fez muitos avanços em termos de descobertas isoladas, conduzidas por muitos cientistas de vários povos, o método pelo qual se fazia ciência teve poucas contribuições da abrangência e significado daquelas feitas por Aristóteles, muitos séculos atrás.

 

Galileu

É agora que batemos à porta de Galileu Galilei, cientista italiano nascido em 1564 e falecido em 1642. As pesquisas, descobertas e invenções de Galileu são mais do que suficientes para gravar seu nome na história da ciência. Como astrônomo, físico, geômetra, inventor do telescópio e outros tantos trabalhos magistralmente realizados, Galileu é criador de uma obra vasta e por si só revolucionária.

Mas Galileu não apenas fez ciência. Ele mudou para sempre o modo como se faz ciência e definiu um novo paradigma para todos os cientistas que lhe sucederam.

Como vimos em nossa visita a Aristóteles, o sábio grego foi além do que propunha Platão, seu mestre, uma vez que este desprezava o mundo natural, que julgava imperfeito demais para merecer atenção, enquanto Aristóteles dedicou à natureza uma atenção metódica e um requintado registro de suas observações.

Também usou sua lógica recém codificada para estudar a causa de cada coisa que observava e assim dar-lhe uma explicação racional e consistente. Mas faltava algo no modo de fazer ciência de Aristóteles.

A observação metódica e a conclusão racional, por si só, não garantem uma explicação correta sobre as causas e mecanismos dos fenômenos, uma vez que não podemos ter certeza se todos os fatores que influenciam o fenômeno em questão foram devida e corretamente observados e analisados.

Por conta disto, Aristóteles fez algumas afirmações que correspondiam perfeitamente ao que ele observava na natureza, mas que eram incorretas por sua análise ser incompleta. Um destes casos foi quando o filósofo grego disse que os objetos mais pesados caíam mais depressa que os objetos mais leves.

 

Além de Aristóteles

Quem observa o cair de uma pedra e de uma pena chega facilmente à mesma conclusão. Na época, não havia meios instrumentais eficientes para testar estas quedas em ambiente de vácuo e assim verificar que era a resistência do ar e não a massa dos corpos que fazia a pedra cair mais rápido que a pena.

Galileu não se deixou conduzir nem pela autoridade intelectual que Aristóteles possuía entre os cientistas de seu tempo, nem pela primeira impressão resultante da observação da queda de diferentes corpos.

Diz uma tradição que Galileu subiu a torre inclinada de Pisa e de lá lançou duas balas metálicas, uma grande de canhão e outra pequena de mosquete, e demonstrou que atiradas ao mesmo tempo do alto da torre ambas chegavam juntas ao chão, provando que corpos de pesos diferentes caíam com a mesma aceleração.

Esta versão é antes tradicional que comprovada. Mas está documentado que Galileu elaborou criteriosos experimentos em plano inclinado, para testar a aceleração de corpos de diferentes massas.

 

Experimentos metódicos

Com sua atitude, Galileu introduzia ao método científico uma de suas mais indispensáveis características - não basta uma boa observação e explicação de um fenômeno, é preciso que experimentos metódicos validem esta observação e explicação.

Assim a ciência ganhava um adjetivo a mais, tornava-se experimental, conhecimentos adquiridos de modo empírico, ou seja, pela observação e experimentação do que percebíamos na natureza.

Foi com esta convicção que Galileu desafiou outro dogma aristotélico, a ideia vigente na época de que a Terra era o centro do universo e que o sol e as estrelas giravam em torno dela. Esta ideia não era de Galileu, pois já havia sido anteriormente proposta de modo elaborado por Copérnico e Kepler, cientistas que o antecederam no estudo do movimento da Terra.

Mas coube a Galileu passar a história por ter sido submetido à censura da Inquisição por conta de sua defesa do heliocentrismo - o sol como centro do sistema solar.

Há um certo exagero nas versões que dizem que o grande cientista correu o risco de ir para a fogueira sob a acusação de heresia, uma vez que muitos religiosos da época eram também cientistas e sabiam que Galileu se baseava em observações e estudos muito bem fundamentados, sendo que qualquer ação que os inquisidores fizessem contra estas descobertas apenas retardaria seu reconhecimento geral como verdadeiras.

Talvez por isto, atribui-se a Galileu a frase "Eppur si muove!", ("no entanto, move-se", em italiano), que teria dito enquanto cumpria a sentença inquisitorial que o obrigava a negar publicamente que a Terra se movia.

A vida e obra de Galileu são a melhor ilustração de que a verdadeira ciência deve se submeter à uma única autoridade - a verificação constante de suas próprias afirmações.

Enquanto uma teoria científica for comprovada por verificações sucessivas, ela é considerada válida. Quando uma nova verificação demonstra de modo incontestável que as anteriores estavam erradas, abandonam-se as explicações anteriores e adotam-se as novas.

Nem a autoridade intelectual de Aristóteles e nem a autoridade religiosa da Igreja conseguiram dobrar esta convicção de Galileu de que era assim que a ciência deveria ser conduzida.

Por esta sua postura e por todos os seus feitos, o monumento fúnebre de Galileu Galilei, em Florença, na Itália, ostenta a merecida inscrição "nulli aetatis suae comparandus", que, em tradução livre, pode ser transcrita em uma só palavra: "incomparável".