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Estruturalismo - Quais as origens desse método de análise?

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

O que determina o modo como pensamos, nos relacionamos com os outros, nos comportamos à mesa, nos vestimos e vivemos em família? Será que cultura e sociedade foram historicamente construídas pela ação do homem ou existiriam estruturas ocultas que explicariam nossos hábitos? Para o estruturalismo francês, movimento intelectual que atingiu seu apogeu na segunda metade da década de 1960, a segunda hipótese seria mais viável para investigar tais fenômenos.

Pode-se dizer que o estruturalismo foi o último movimento filosófico francês a ganhar notoriedade mundial, logo após o existencialismo, corrente criticada em debates que envolveram dois dos maiores expoentes dessas escolas filosóficas, respectivamente, Michel Foucault (1926-1984) e Jean-Paul Sartre (1905- 1980).

Mas o estruturalismo reuniu pensadores de diversas áreas das ciências humanas, a ponto de ser difícil encontrar um núcleo coeso que permita classificá-lo como sistema filosófico. Na verdade, o estruturalismo é mais um método de análise, que consiste em construir modelos explicativos de realidade, chamados estruturas.

Por estrutura entende-se um sistema abstrato em que seus elementos são interdependentes e que permite, observando-se os fatos e relacionando diferenças, descrevê-los em sua ordenação e dinamismo. É um método que contraria o empirismo, que vê a realidade como sendo constituída de fatos isolados. Para o estruturalismo, ao contrário, não existem fatos isolados, mas partes de um todo maior. Assim, compreende-se que:

 

  • Alguns fenômenos podem ser explicados não pelo que deixam à mostra, mas por uma estrutura subjacente.
  • Os fatos possuem uma relação interna, de tal forma que não podem ser entendidos isoladamente, mas apenas em relação aos seus pares antagônicos.

    Para entender como esse método funciona, é preciso estudar suas origens, na Linguística e na Antropologia.

    A linguagem O método estruturalista foi usado pela primeira vez pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) em sua obra póstuma, editada por alunos, Curso de Linguística Geral. Nesta obra, Saussure fornece as bases teóricas para duas importantes ciências do século 20: a Linguística Estrutural e a Semiologia, ou ciência dos signos.

    As teorias de Saussure podem ser explicadas por meio de quatro dicotomias. A primeira diz respeito a duas formas de se abordar a linguagem:
  • Língua: o aspecto social da linguagem.
  • Fala: o aspecto individual da linguagem.

    A segunda refere-se a tipos de estudos da linguagem:
  • Linguística sincrônica (estática ou descritiva): estuda a constituição da língua (fonemas, palavras, gramática, etc.) num dado momento.
  • Linguística diacrônica (evolutiva ou histórica): estuda as mudanças da língua através dos tempos.

    A originalidade de Saussure foi propor um estudo da língua enquanto sistema social de um ponto de vista sincrônico, não histórico, como vinha sendo feito antes. Ele também propõe o nome de semiologia, ou estudo do signo linguístico, que contém:
  • Significante: é a expressão material do signo, como o som da palavra "árvore" ou a imagem da palavra escrita no papel.
  • Significado: o conceito que o significante representa ou o conteúdo do signo, uma ideia, como a árvore que eu imagino ao ouvir ou ler a palavra escrita.

    A palavra estrutura não aparece na obra do linguista suíço, mas se faz presente no conceito de sistema, que quer dizer uma análise estrutural que inclui o estudo da língua em suas relações internas, conforme a terceira dicotomia:
  • Eixo sintagmático: um termo só é compreendido em oposição (relação) a outro termo. Ex.: "O semáforo está verde".
  • Eixo paradigmático: o termo é associado a outros, presentes na memória. Por exemplo, na frase anterior, ao invés de semáforo, uso "sinal" e ao invés de "está verde", "abriu": "O sinal abriu".

    Saussure, ao entender a linguagem como estrutura subjacente e sistema cujos elementos são solidários entre si (e que, somente assim, adquirem valor e sentido), e, ainda, vista de uma perspectiva não histórica, inaugurou o método estruturalista de análise.

    Os mitos A primeira aplicação do estruturalismo fora do âmbito da linguística foi feita pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908), hoje aposentado e um dos mais importantes intelectuais vivos.

    Lévi-Strauss observou, ao estudar tribos indígenas de vários países, incluindo o Brasil, um conjunto de normas que se preservavam em diferentes culturas, como se fossem formas inconscientes que moldavam o pensamento e o comportamento dos povos. Diferente de uma abordagem histórica, que não veria as relações, ele empregou o método da linguística estrutural em, basicamente, dois sentidos:
  • Como uma estrutura profunda ou inconsciente.
  • Como elementos que só adquirem significado quando vistos dentro dessa estrutura.

    Consequentemente, existiriam estruturas que determinam regras de vestuário, alimentação, parentesco, condutas morais e políticas recorrentes em diferentes povos, e que não são visíveis.

    Os mitos, segundo Lévi-Strauss, são estruturados com linguagem, de modo que, da mesma forma que na língua - eu não penso em formas gramaticais quando falo, apenas falo -, também não penso em mitos quando os reproduzo inconscientemente (como Freud mostrou com o mito de Édipo, por exemplo): os mitos só funcionam quando a estrutura permanece invisível, como a linguagem.

    A conclusão do antropólogo é a de que o pensamento mítico não está no homem, mas o próprio homem é que é pensado nos mitos.

    Mas vejamos outro exemplo da antropologia estrutural de Lévi-Strauss nas relações de parentesco. Parte-se da compreensão de que fenômenos de parentesco são estruturados como fenômenos linguísticos. Então, procede-se à identificação de elementos desta estrutura: pai, mãe, filhos, tios e irmãos. Cada um desses termos só faz sentido estando em relação aos demais: o pai autoritário em relação à mãe protetora, por exemplo.

    O que o antropólogo verificou, no convívio com culturas diversas, foi que, apesar das diferentes formas de filiação e relações de afetividade, hostilidade, antagonismo ou reserva (tios mais afetivos, pais mais hostis e irmãos mais conflituosos, por exemplo), a mesma estrutura de oposições - pai/mãe, tios/sobrinhos, irmãos/irmãs - permanece inalterada.

    Outros estruturalistas No decorrer das décadas de 1960 e 1970, surgiram aplicações do método estruturalista em áreas como crítica literária, cinema, estudos culturais e publicidade, entre outros, o que provocou críticas de abusos.

    Alguns dos mais renomados intelectuais e pensadores franceses empregaram o método em suas obras, como Jacques Lacan (1901-1981), que concebeu o inconsciente como estruturado na forma de linguagem; Foucault, que estudou estruturas discursivas que condicionavam o pensamento do homem em determinadas épocas; Roland Barthes (1915-1980), que examinou os mitos modernos, a moda e a literatura; e Louis Althusser (1918-1990), que fez uma leitura estruturalista da obra de Marx.

    Leituras recomendadas Curso de Linguística Geral, de Saussure, foi publicado no Brasil pela Editora Cultrix. Uma boa introdução ao pensamento de Lévi-Strauss é Antropologia Estrutural (Tempo Brasileiro), que reúne ensaios do autor. Outros livros indicados são Mitologias (Difel), de Roland Barthes, As Palavras e as Coisas (Martins Fontes), de Foucault, e Escritos (Perspectiva), de Lacan. Para mais detalhes sobre o movimento estruturalista, História do Estruturalismo (EDUSC), de François Dosse.

 

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