Filosofia da linguagem (3) - Wittgenstein e a figuração do mundo
Josué Cândido da Silva, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
- Filosofia da linguagem (1)
- Filosofia da linguagem (2)
- Filosofia da linguagem (4)
- Filosofia da linguagem (5)
- Filosofia da linguagem (6)
- Filosofia da linguagem (7)
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) foi, sem dúvida, um dos filósofos mais influentes do século 20 e o principal responsável pela chamada virada linguística da filosofia, movimento que colocou a linguagem no centro da reflexão filosófica, deixando de figurar apenas como um meio para nomear as coisas ou transmitir pensamentos.
Em Wittgenstein, como em Sócrates, vemos um filósofo que procura viver coerentemente com suas crenças filosóficas. Ele recusou a fortuna de sua família e trabalhou em funções humildes, como ajudante de jardineiro em um mosteiro e porteiro em um hospital.
Em sua trajetória intelectual, Wittgenstein foi capaz de realizar uma profunda revisão de sua própria teoria, a tal ponto que muitos estudiosos de sua obra filosófica a dividem em dois períodos: o "primeiro Wittgenstein", que corresponderia ao seu "Tractatus Logico-Philosophicus", publicado em 1921, e o "segundo Wittgenstein", cuja obra principal é "Investigações Filosóficas", publicada postumamente.
Embora se tratem de "dois wittgensteins", que influenciaram escolas filosóficas diferentes, a linguagem permanece o tema principal de sua reflexão e o que fornece unidade a sua obra.
Tractatus Logico-Philosophicus
No "Tractatus Logico-Philosophicus" - um conjunto de aforismos e corolários divididos de 1 a 7 -, Wittgenstein tenta romper com a visão tradicional da filosofia, que vê o mundo como um mero agregado de coisas que podem ser pensadas de modo independente umas das outras. Tal visão não é incorreta, apenas incapaz de explicar qual a relação existente entre as coisas.
As coisas, por si só, não têm sentido, pois elas ganham significado quando relacionadas com outras coisas. Da mesma forma como não conseguimos pensar em algo fora do espaço e do tempo, "também não podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros" (Tractatus, 2.0121).
Para que algo possa ter significado é preciso que apareça dentro de uma relação com outros objetos em um determinado estado de coisas. Estar ligado a um estado de coisas é, ao mesmo tempo, a condição para que um objeto possa aparecer e ser pensado.
Com as palavras acontece a mesma coisa. Elas só adquirem significado quando inseridas em uma frase, pois somente as frases podem ser consideradas verdadeiras ou falsas. Dizer, por exemplo, "cadeira" é algo que carece de complemento para se tornar uma unidade significativa. É somente quando tenho uma frase como "a cadeira está na cozinha" que posso dizer se essa proposição é verdadeira ou falsa.
Eu não poderia, porém, saber se uma frase é ou não verdadeira se ela não correspondesse à estrutura do mundo, ou seja, a ordem das coisas no mundo. Mas como a linguagem pode representar a estrutura do mundo?
Conexão entre palavras e objetos
Para Wittgenstein isso só seria possível se existisse uma correspondência entre o mundo, o pensamento e a linguagem. Dito de outra maneira, se houvesse uma correspondência entre a figuração do mundo na linguagem e o próprio mundo afigurado.
Como explica Wittgenstein, "na figuração e no afigurado deve haver algo de idêntico, a fim de que um possa ser, de modo geral, uma figuração do outro". (2.161). "O que a figuração deve ter em comum com a realidade para poder afigurá-la à sua maneira - correta ou falsamente - é a sua forma de afiguração" (2.17). Portanto, não basta que exista uma correspondência entre a palavra e a coisa designada, pois nas frases falsas também se fala sobre objetos. Caso contrário, elas não seriam falsas, mas apenas absurdas.
O que determina a verdade ou falsidade é se a conexão entre as palavras na proposição é igual à conexão entre os objetos no mundo, isto é, deve haver uma identidade entre a estrutura das coisas e a estrutura do pensamento. O que permite que a linguagem possa corresponder ao mundo é que ambos partilham da mesma forma lógica. A forma lógica é, portanto, a condição de possibilidade da afiguração.
Mas como Wittgenstein pode demonstrar isso? Como pode ele provar que pensamento, linguagem e mundo têm a mesma forma lógica? Aqui chegamos a um ponto decisivo para a filosofia: segundo Wittgenstein, isso não pode ser demonstrado, é algo que apenas se mostra. Para demonstrar aquilo que se mostra através da linguagem e do mundo seria preciso uma teoria que se referisse à totalidade do mundo e da linguagem.
Isso é, no entanto, impossível, pois quando falamos sobre o mundo já estamos dentro da forma lógica e não há como vê-la de fora. "Para podermos representar a forma lógica, deveríamos poder-nos instalar, com a proposição, fora da lógica, quer dizer, fora do mundo" (4.12). Teríamos que colocar-nos, como diziam os medievais, no ponto de vista de Deus, algo que é igualmente impossível, a menos que o próprio Deus o revelasse para nós.
Função da filosofia: esclarecer pensamentos
Daí que as investigações sobre o sentido do mundo como totalidade não é assunto para o filósofo, mas para o místico: "O sentimento do mundo como totalidade limitada é o sentimento místico" (6.45). A filosofia não tem nada a dizer sobre a forma lógica, já que a forma lógica é a condição de possibilidade de toda e qualquer figuração e não pode, ela mesma, ser afigurada. A forma lógica não se explica, se mostra, e "o que pode ser mostrado não pode ser dito" (4.1212).
Ao invés de especular sobre a totalidade do mundo e da linguagem, a filosofia deveria ocupar-se de uma função mais modesta: a de esclarecer a linguagem e ajudar a formular proposições claras. Nas palavras de Wittgenstein: "O fim da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos. (...) Cumpre à filosofia tornar claros e delimitar precisamente os pensamentos, antes como que turvos e indistintos" (4.112).
Assim, quando alguém quiser dizer algo de metafísico como "ser" ou "essência", explicar-lhe que não conferiu um significado preciso ao que diz e sugerir que ele reconstrua sua proposição. Os filósofos deveriam resignar-se ao sétimo aforismo do Tractatus que diz que "sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar".
Todavia, não deixa de ser curioso que o próprio Wittgenstein teve de se valer de proposições gerais e metafísicas para expor suas teses. Ele afirma, por exemplo, que a totalidade das proposições é a linguagem; que a proposição é uma figuração da realidade; que os limites do mundo são os limites da minha linguagem etc. Ou seja, ele não se limita ao que se mostra, mas pretende falar sobre como as coisas são em sua totalidade.
Assim, o seu Tractatus deve também ser entendido como uma pretensão de dizer algo de metafísico e, portanto, um contra-senso. Para sair dessa, Wittgenstein usa a genial analogia da escada que deve ser jogada fora após se subir por ela (6.54). A filosofia é essa escada que ele usou para descrever a estrutura lógica do mundo e da linguagem. Feito isso, sua função está praticamente encerrada e Wittgenstein, coerente com seu pensamento, preferiu mergulhar em um silêncio que durou vários anos a continuar a dizer mais contra-sensos.
"Minhas proposições" - diz Wittgenstein - "elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contra-sensos, após ter escalado através delas - por elas - para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.)" (6.54).