Filosofia da linguagem (5) - Wittgenstein: pragmática antes da semântica
Josué Cândido da Silva, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
- Filosofia da linguagem (1)
- Filosofia da linguagem (2)
- Filosofia da linguagem (3)
- Filosofia da linguagem (4)
- Filosofia da linguagem (6)
- Filosofia da linguagem (7)
Diferentes formas de vida apresentam diferentes modos de uso da linguagem, ou melhor, diferentes jogos de linguagem. Wittgenstein pretende acentuar, com o conceito de jogos de linguagem, que a partir de diferentes contextos seguem-se diferentes regras de uso das palavras.
Tal posição implica uma mudança na filosofia. Essa mudança coloca a pragmática como anterior à semântica, ou seja, o uso da linguagem em contextos determinados acima de seu significado estabelecido, pois o significado das palavras e frases só pode ser resolvido pelo uso que se faz delas em contextos pragmáticos.
Só podemos avaliar se o emprego de uma determinada palavra é correto ou não dentro do contexto de uma comunidade linguística que dela faz uso, pois é justamente o acordo da comunidade que torna a comunicação possível. "Correto e falso é o que os homens dizem, e na linguagem os homens estão de acordo. Não é um acordo sobre as opiniões, mas sobre o modo de vida" ("Investigações Filosóficas", § 241).
Linguagem depende da liberdade humana
O modo de vida se assenta em hábitos determinados, intersubjetivamente válidos, que constituem os jogos de linguagem. Já que, como diz Wittgenstein, não se pode seguir uma regra apenas uma vez, ou dito de outra maneira: aprendo o significado de um signo porque fui treinado "para reagir de uma determinada maneira a este signo e agora reajo assim" ("Investigações Filosóficas", § 198). A comunidade que participa de um jogo de linguagem estabelece determinados hábitos compartilhados por seus participantes.
A linguagem é resultado da interação social historicamente determinada, na qual os sujeitos se inserem, não sendo, portanto, um fenômeno puramente natural. Ela é dependente da capacidade de criação e liberdade humanas, sempre aberta à invenção e modificações como qualquer outra instituição social.
O fato de nos apropriarmos do uso da linguagem como quem domina uma técnica não significa que o fazemos de um modo puramente mecânico. Cada participante é capaz de interpretar a regra de um modo inovador e assim provocar mudanças na significação das expressões linguísticas.
Afinal, as regras são apenas "indicadores de direção", nada mais que isso. O emprego que fazemos dos indicadores de direção permanece aberto a interpretações, pois "cada interpretação, justamente com o interpretado, paira no ar; ela não pode servir de apoio a este. As interpretações não determinam sozinhas a significação" (IF, § 198).
Usuários e inventores da língua
É por isso que Wittgenstein usa a expressão "jogos de linguagem", pois é no jogo que os sujeitos elaboram consensos sobre as regras a serem seguidas e, eventualmente, as modificam (IF, §§ 84, 85). Cada um de nós, portanto, é ao mesmo tempo usuário e inventor da língua.
Nessa nova maneira de ver a linguagem, Wittgenstein realiza uma crítica ainda mais radical da metafísica, que busca encontrar uma "essência" ou "substância" última das coisas. Para ele, não existe um sentido a ser buscado fora daquele que estamos acostumados a usar.
Os problemas filosóficos começam justamente por nos alienarmos do uso comum da linguagem cotidiana, comprovado pela prática, e extraímos um termo do seu jogo de linguagem: "Quando os filósofos usam uma palavra - 'saber', 'ser', 'objeto', 'eu', 'proposição', 'nome' - e quando tratam de apreender a essência da coisa, então é preciso sempre perguntar: essa palavra é realmente usada assim, na língua em que ela se sente em casa? - Nós é que acabamos por reconduzir as palavras de seu uso metafísico a seu uso cotidiano" ("Investigações Filosóficas", § 116).
Cabe ao filósofo realizar uma "terapia" da linguagem através da elucidação dos conceitos em seus jogos de linguagem específicos. Novamente, Wittgenstein relega um papel bastante modesto para a filosofia: "A filosofia deixa tudo como está".
Wittgenstein não deixou, porém, tudo como estava com sua filosofia. Ele abriu uma intensa discussão na filosofia sobre se podemos passar de um dos infinitos jogos de linguagem ligados às formas de vida para outro ou se seriam realmente incomensuráveis, o que levaria inevitavelmente ao relativismo.