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Princípios e dogmas - A ética e o leito de Procusto

Josué Cândido da Silva, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Muitas pessoas, ao defenderem posições extremadas, que ferem o bom senso mais elementar ou que não admitem a possibilidade de avaliar possíveis exceções em determinados casos, alegam, geralmente, que estão apenas seguindo seus princípios éticos.

Tal conduta pode dar a entender que pessoas capazes de ponderar caso a caso ou de levar em conta as circunstâncias são relativistas sem princípios. Ora, o fato de termos princípios não implica necessariamente que tenhamos de ser dogmáticos. Ou seja, achar que existem verdades absolutas válidas para toda e qualquer situação.

Princípios éticos são ideais regulativos a que "nada de empírico pode corresponder", como dizia Kant. São modelos ideais que nos ajudam a definir metas possíveis, mesmo sabendo que os ideais em si mesmos jamais poderão ser realmente alcançados.

Um engenheiro que projeta trens sabe que se conseguir reduzir o atrito entre o trem e o trilho, obterá trens mais velozes com menor consumo de energia, mas sabe igualmente que um trem sem atrito é impossível, pois os trens viajam em um meio físico e não no vazio.

No caso dos princípios éticos não é diferente. Precisamos de valores ideais, como justiça ou igualdade, para nos orientar em direção a sociedades mais justas e igualitárias, mesmo sabendo que uma situação de justiça ou igualdade absoluta é impossível. Pois nós, seres humanos, estamos sujeitos a contingências e limitações que sempre podem nos levar a cometer erros em nossos julgamentos e ações, levando-nos a tratar alguém de maneira injusta ou desigual.

Mas isso não significa que devemos ficar de braços cruzados frente às injustiças, pois se elas não podem ser eliminadas, pelo menos podem ser reduzidas - e quanto mais trabalharmos para isso, melhor será a vida de todos.


 

O leito de Procusto

Algo bem distinto é desconsiderar os limites que a realidade nos impõe e obrigá-la a se adequar aos nossos ideais, como fazem os dogmáticos. Para eles, a pureza de seus princípios e a cega observância dos mesmos é tudo o que importa - e qualquer ponderação é vista como fraqueza ou traição a ser combatida.

Uma bela ilustração disso pode ser encontrada na mitologia grega: Procusto é um bandido que assalta viajantes e os obriga a se deitar em seu leito de ferro. Caso a vítima seja maior que o leito, Procusto amputa o excesso de comprimento: se é menor, estica. Como nenhuma pessoa é exatamente do tamanho da cama, ninguém sobrevive.

De modo semelhante agem aqueles que tentam obrigar a realidade a se adequar aos seus imperativos morais, pouco lhes importando o sofrimento ou até a mesmo a morte de outras pessoas.

Muitos usam como subterfúgio para seus atos o argumento de que seguem a vontade de algum deus igualmente intransigente e sanguinário. Mas será que pode existir um deus assim? Um deus que castiga seus filhos, ao invés de compreendê-los e amá-los? Ou será que pessoas ou grupos dogmáticos querem na verdade obrigar o próprio Deus a se deitar em um leito de Procusto?

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