Guerrilha do Araguaia - Luta armada no campo
Vitor Amorim de Angelo
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
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(Atualização em 9/3/2014, às 22h53)
Durante a ditadura militar, algumas organizações de oposição optaram pelo caminho da luta armada, sejam elas do campo ou da cidade. No caso dos conflitos rurais, o mais importante - e até hoje mais controverso - foi a chamada Guerrilha do Araguaia.
Ocorrida no início da década de 1970, a guerrilha levou este nome por ter sido travada em localidades próximas ao rio Araguaia, na divisa entre os atuais estados do Pará, Maranhão e Tocantins (na época, pertencente ao Estado de Goiás). A guerrilha foi organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que, desde meados dos anos 1960, já mantinha militantes na região do conflito.
O objetivo do PC do B era angariar apoio da população local para, a partir do campo, enfrentar a ditadura, derrubá-la, tomar o Estado e fazer a revolução. Antes de se definir pela luta armada, os militantes apostaram na estratégia de construção de uma frente ampla democrática contra a ditadura. Essa linha política, entretanto, não eliminou a opção armada.
Com a decretação do AI-5, no final de 1968, e o endurecimento do regime militar, o PC do B abandonou definitivamente a luta democrática em favor do enfrentamento armado. O mesmo caminho foi feito por outros partidos e organizações, que, nas cidades, deram início a uma onda de atentados e expropriações. O PC do B, ao contrário, praticamente não se envolveu em ações urbanas. Isso, de certa forma, preservou-lhe da perseguição da ditadura, garantindo melhores condições para estruturar a guerrilha no campo.
A organização da guerrilha
Embora, até então, as ações armadas mais relevantes tivessem ocorrido nas cidades, parte da esquerda revolucionária acreditava que a guerrilha rural era um passo decisivo rumo à revolução. No plano internacional, não faltavam as referências vitoriosas na China, em 1949, com Mao Tsé-Tung, e em Cuba, uma década depois, com Fidel Castro e Che Guevara.
Com uma estratégia que mesclava as experiências chinesa e cubana, o PC do B acreditava que a deflagração da guerrilha representaria uma inflexão na oposição à ditadura. Tanto é assim que, no começo de 1972, em meio ao endurecimento do regime e à crescente perseguição nas cidades, o partido enviou para a região do Araguaia boa parte dos membros do seu Comitê Central.
Para a estruturação da guerrilha, foi criada uma Comissão Militar, à qual competia coordenar três agrupamentos menores, formados por 21 militantes - cada um com seu respectivo comandante. Os agrupamentos, por sua vez, subdividiam-se em três destacamentos menores, de 7 militantes cada, incluindo um chefe e um subchefe para cada grupo. Era uma estrutura rígida, que visava não apenas organizar os trabalhos no campo, como também proteger-se da perseguição militar.
A divisão dos guerrilheiros em uma estrutura de grupos e subgrupos fez com que, nem mesmo entre eles, um destacamento conhecesse os integrantes dos outros. Essa divisão em "células" e a utilização de nomes falsos era uma estratégia para que, em caso de captura, um militante não delatasse os demais, o que faria cair a estrutura inteira.
O confronto com o Exército
A versão da história mais aceita dá conta de que a guerrilha, ainda não deflagrada, teria sido descoberta pelos militares por meio de informações passadas por uma militante do PC do B. Foi assim que, em abril de 1972, o Exército chegou à região à procura dos guerrilheiros, que viviam misturados à população local.
Naquele momento, praticamente 70 militantes do partido moravam na região, trabalhando como agricultores, farmacêuticos, professores e comerciantes. Para não chamar a atenção, o grupo não se envolvia com questões políticas. Por isso, dada a sua integração, foi com grande surpresa que a população local recebeu a notícia de que eram acusados de atividade subversiva.
Apesar de serem infinitamente mais fracos que o Exército, os guerrilheiros conseguiram resistir por quase dois anos às perseguições. Os militares precisaram de três campanhas para, finalmente, encerrar o conflito na região do Araguaia, em dezembro de 1973, com a destruição da Comissão Militar. Daí em diante, as perseguições continuaram, mas a estrutura da guerrilha já estava completamente desmantelada.
Àquela altura, as bases do PC do B nas cidades também tinham sido duramente perseguidas, de forma que o partido perdeu quase que por completo o contato com os guerrilheiros estabelecidos no Araguaia, isolados no meio da selva. As investidas militares foram marcadas pela extrema violência, tendo se transformado, sobretudo na fase final da guerrilha, numa verdadeira caça aos comunistas.
A busca pelos "desaparecidos"
O conflito do Araguaia terminou com um trágico saldo: foram cerca de 76 mortos, sendo 59 militantes do PC do B e 17 recrutados na região. Também por isso, acabou se transformando no principal confronto direto entre a ditadura militar e a esquerda armada. Ocorrida sob intensa censura, a guerrilha nem mesmo chegou ao conhecimento da população em geral, o que só ajudou a isolar ainda mais os militantes do PC do B.
A confirmação da existência da guerrilha na região por parte do governo só veio tempos depois de encerrado o conflito. A perseguição aos guerrilheiros, segundo testemunhos de militares que participaram da operação, moradores do local e sobreviventes, teve requintes de crueldade, como decapitação e fuzilamento.
Em razão disso, muitos corpos nunca foram - e possivelmente nunca serão - encontrados. Desde os anos 1980, os familiares dos guerrilheiros mortos vêm lutando, inclusive na Justiça, para que o Exército libere documentos que comprovem a morte dos parentes.