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Guerra dos Cem Anos - derrota inglesa - Do Tratado de Brétigny a Joana D'Arc

Gilberto Salomão

Depois do ataque de Felipe 6º à região da Flandres, a marinha inglesa, em 1340, conseguiu derrotar os franceses no canal da Mancha, abrindo espaço para uma ofensiva.

Em 1346 e 1347, as batalhas de Crécy e de Calais, vencidas pelos ingleses, deram a estes o controle de grande parte do norte da França e do canal da Mancha. Contando com tropas mercenárias e armas mais poderosas, entre as quais se destacava o Grande Arco, que permitia lançar flechas a mais de 300 metros, e ainda com o apoio financeiro das cidades da Flandres, os ingleses eram militarmente muito superiores ao velho exército de cavaleiros franceses, cuja bravura foi ineficiente ante tropas mais bem treinadas e armadas. Apenas na batalha de Crécy, os franceses perderam 1.500 cavaleiros - contra apenas três cavaleiros e quarenta arqueiros ingleses mortos.

O avanço inglês foi detido por um fenômeno terrível que atingia a Europa nesse momento. Trata-se da Peste Negra, uma epidemia originária do Oriente e que encontrou nas cidades europeias um espaço ideal para sua disseminação. A peste disseminou-se com uma rapidez extraordinária desde o norte da Itália, onde começara a se manifestar em 1347, atingindo praticamente todas as regiões da Europa ocidental, sendo responsável pela interrupção da guerra.

Entretanto, as batalhas foram retomadas em 1356, com o ataque inglês ao centro-oeste da França. Nesse ataque, Eduardo 3º contou com o apoio de vários nobres franceses, notadamente o duque da Bretanha, que viam na aliança com os ingleses uma forma de ampliar seus domínios. O momento mais agudo dessa ofensiva inglesa foi a batalha de Poitiers, na qual os cavaleiros franceses foram aniquilados e o próprio rei da França, João 2º, o Bom, foi aprisionado pelos ingleses, vindo a morrer oito anos depois.

A derrota obrigou os franceses a assinarem o Tratado de Brétigny (1360), que reconhecia o domínio inglês sobre as regiões conquistadas e devolvia os territórios tomados no início do conflito.

Convocação dos Estados Gerais e Jacquerie

A derrota provocou na França a oposição unânime contra o governo real. A oposição maior vinha de camponeses, arruinados pela guerra, e dos comerciantes das cidades, dado que ela havia desorganizado toda a atividade comercial.

Carlos 5º, que assumira o trono com a morte de seu pai, João, o Bom, foi obrigado a convocar os Estados Gerais, a fim de obter os recursos e o apoio necessários à retomada da guerra. Tratava-se de uma assembleia criada no século 13 por Felipe, o Belo, reunindo representantes das 3 ordens da sociedade francesa, o clero, a nobreza e o povo. Sendo o voto censitário, o povo era ali representado por uma elite de burgueses enriquecidos que, ante a desorganização da nobreza, assumiram o controle da assembleia.

Os Estados Gerais passaram, contudo, a exigir que todos os assuntos ligados à defesa do Estado passassem por suas mãos, inclusive a dotação de verbas para o exército. Carlos 5º, em represália, dissolveu a assembleia. Tal medida levou a uma rebelião em Paris, liderada pelo comandante da cidade, Estevão Marcel, e apoiada pelos ricos comerciantes e trabalhadores pobres, obrigando Carlos 5º a convocar novamente a assembleia e aceitar todas as reivindicações do terceiro estado.

Simultaneamente, eclodiu nas províncias do norte da França uma violenta revolta camponesa, em reação à servidão, às pesadas contribuições de guerra e à miséria decorrente da cobrança de impostos. As seguidas derrotas dos nobres franceses ante os ingleses contribuíram para reduzir o temor que estes infligiam aos camponeses. Em 1358, um choque sangrento entre camponeses e cavaleiros num pequeno povoado do norte detonou a revolta camponesa conhecida como Jacquerie (o nome deriva da designação pejorativa, Jacques Bonhomme - Jacques, o simples - com que os nobres se referiam aos camponeses).

Enfraquecida pela guerra, a nobreza não foi capaz de fazer frente à revolta que, num primeiro momento destruiu castelos e assassinou famílias inteiras de nobres. Entretanto, a falta de organização do movimento permitiu à nobreza recobrar o controle das províncias em duas semanas. A repressão ao movimento foi brutal, tendo sido executados mais de vinte mil camponeses

Contra-ofensiva francesa

Ao mesmo tempo, o medo provocado pelo movimento camponês fez com que a nobreza compreendesse a necessidade de deter as lideranças populares, inclusive urbanas. Assim, passou a apoiar o rei contra a rebelião parisiense. Foi com o apoio da nobreza que Carlos 5º ocupou Paris com seu exército, aprisionando e executando Estevão Marcel, pondo fim às reivindicações dos Estados Gerais e retomando o poder efetivo.

A retomada das atribuições reais permitiu a Carlos 5º reorganizar o exército francês. As velhas milícias de cavaleiros foram substituídas por exércitos mercenários, caros mas largamente eficientes. Foi essa reorganização militar que permitiu a Carlos 5º uma contra-ofensiva sobre os ingleses. Ignorando o Tratado de Brétigny, obteve vitórias significativas, retomando grande parte do território perdido.

Intervalo e retomada do conflito

Iniciou-se então um período de trinta e três anos sem que houvesse conflitos armados entre as duas monarquias, mas também sem que houvesse um tratado que selasse uma efetiva paz. Durante essas décadas, entretanto, questões internas às duas monarquias, notadamente a francesa, foram decisivas para a retomada da guerra.

Na Inglaterra, eclodiu em 1381 uma violenta revolta camponesa, conhecida como revolta de Wat Tyler. Ao lado das questões que motivariam naturalmente sublevações camponesas, como a miséria, a servidão e a exploração, a revolta teve como estopim a criação de um imposto, chamado de poll tax, no valor de um xelim por adulto do reino, para financiar o esforço de guerra.

Em que pese ser usualmente vista como uma revolta camponesa, a revolta de Wat Tyler teve o apoio de setores urbanos, a quem a taxa também penalizava seriamente. A revolta ampliou ainda mais o clima de instabilidade no país, mostrando a fraqueza da monarquia, já desprestigiada pelas perdas na guerra com a França. Essas perdas foram também responsáveis por uma reação da nobreza, que passou a lutar contra o rei, Ricardo 2º, depondo-o em 1389. Em seu lugar assumiu Henrique 4º, neto de Eduardo 3º, dando início à dinastia Lancaster.

Na França, o rei Carlos 5º, morto em 1380, fora sucedido por Carlos 6º. Tido como louco, Carlos 6º passou a sofrer forte oposição de setores da nobreza francesa. Destacou-se aí o papel do ducado da Borgonha, um dos mais poderosos da França e que, num quadro de ampliação do poder real, via sua autonomia drasticamente reduzida. A luta contra o rei gerou a divisão da França em verdadeiros partidos.

Borguinhões e armagnacs

Ao lado da monarquia alinharam-se o irmão do rei, Luís de Orléans, e Bernardo de Armagnac. Contra ele, o ducado da Borgonha, liderado por João Sem Medo e com o apoio da Inglaterra. A luta entre borguinhões e armagnacs enfraqueceu a França, abrindo espaço para a contra ofensiva inglesa.

Os conflitos forma retomados desde 1413 por Henrique 5º, rei da Inglaterra. A Batalha de Azincourt, em 1415, representa o grande momento da nova ascensão inglesa, que, vitoriosa, impôs o Tratado de Troyes, em 1420, aos franceses, que garantia à Inglaterra todo o norte do país, inclusive Paris, e, o mais grave, destituía o delfim (título que na França era atribuído ao herdeiro do trono, geralmente o filho mais velho do rei) Carlos, filho de Carlos 6º, colocando-se Henrique 5º da Inglaterra como sucessor do trono francês. Para consolidar tal acordo, Henrique casou-se com Catarina, filha do rei Carlos 6º, e, portanto, irmã do delfim.

Em 1422 morreram os dois reis, Henrique 5º, da Inglaterra, e Carlos 6º, da França. Pelo tratado de Troyes, o trono francês passaria para Henrique 6º, da Inglaterra, então uma criança, tendo sua mãe como regente.

Entretanto, o domínio inglês sobre o norte da França não foi de modo algum simples. A presença estrangeira começava a motivar uma reação nacionalista entre as populações francesas da região. Camponeses e habitantes das cidades moviam ataques sistemáticos aos ingleses, temerosos de que a presença inglesa em Orleans abrisse aos ingleses o caminho para o sul do país.

Joana D'Arc

É nesse contexto que surgiu um figura legendária, uma jovem de origem camponesa chamada Joana D'Arc. Alegando ser portadora de um desígnio que lhe fora atribuído por Deus, de libertar a França da presença inglesa, Joana D'Arc conseguiu motivar um fervor ao mesmo tempo religioso e patriótico entre a população e as tropas locais.

Foi sob a liderança de Joana que os franceses derrotaram os ingleses em Orleans, abrindo caminho para a retomada do norte do país. Com isso, o delfim Carlos, ignorando o Tratado de Troyes, assumiu o trono como Carlos 7º, passando a liderar o país.

Por outro lado, a liderança exercida por Joana D'Arc, superando em muito o prestígio dos nobres, dos comandantes militares e do próprio rei, representava uma ameaça para setores da nobreza da francesa. Comandando pessoalmente a defesa da fortaleza de Copiegne, Joana foi traída, ficando encurralada entre as tropas da Borgonha e a entrada do castelo, cuja ponte fora erguida. Capturada, foi entregue pelos borguinhões aos ingleses, tendo sido sido acusada de bruxaria e queimada em 1430.

Após a derrota em Orleans, os ingleses foram repetidamente perdendo seus territórios na França. Ante a iminente derrota, o duque da Borgonha, principal aliado dos ingleses, viu-se obrigado a assinar a paz com o rei da França, reconhecendo a autoridade da monarquia em seu território. Desprovida desse apoio, não restou à Inglaterra senão assinar a paz em 1453, retirando-se de todos os seus domínios na França, permanecendo apenas a cidade de Calais em suas mãos.

Os efeitos da guerra foram consideráveis, notadamente para a França. A Guerra dos Cem Anos ajudou a estabelecer uma ideia de nação, acabou com todas as pretensões inglesas sobre territórios franceses e tornou possível a criação de algumas instituições de governo centralizadas, que prenunciavam o aparecimento da monarquia absolutista.

No caso da Inglaterra, a derrota levou à reação de um setor da nobreza contra a monarquia, visando basicamente recuperar as perdas territoriais na França. Essa reação foi a principal responsável pela eclosão da maior guerra civil inglesa, a Guerra das Duas Rosas.