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Federal de Rondônia tem laboratório de química que pode explodir e cadáveres presos em tanque há quatro meses

Rafael Targino

Em Porto Velho

25/11/2011 07h53

Formol que vaza e contamina o solo. Tanque com dois cadáveres dentro que ninguém consegue abrir há quatro meses. Obras que deveriam estar prontas há dois anos e que, até hoje, mal saíram da fundação. Salas de aula abandonadas e que não são limpas há quase um ano. Fiações expostas por todo o lado. Um laboratório de química que pode explodir a qualquer momento. Espécies de peixes guardadas em um container. Mato alto e poças de água parada por todo o lado. Esses são alguns dos problemas pelos quais passa o campus de Porto Velho da Unir (Universidade Federal de Rondônia), a única federal do Estado.

A reportagem do UOL esteve no local na tarde da última terça-feira (22). O campus fica na BR-364, a poucos quilômetros do centro da capital rondoniense. Com estudantes e professores em greve, poucas unidades funcionavam no horário. Somente parte do campus é asfaltada; na maioria do tempo, circula-se por estrada de terra, em locais sem calçamento. Nos locais em que há calçadas, o mato tomou conta e é bastante difícil caminhar.

Dias após a decretação da paralisação, estudantes invadiram a reitoria da Unir, no centro de Porto Velho. Um dos objetivos era a saída do reitor Januário Amaral, que deixou o cargo na quarta-feira (23) após encontro com o ministro Fernando Haddad.

Esgoto que volta e formol que vaza

O prédio da medicina, inaugurado em 2005, é um dos que sofrem com a falta de estrutura. Na sala de preparo de corpos, onde ficam guardados os cadáveres utilizados em aulas de anatomia, não há limpeza há meses.

Há quatro tanques fixos para armazenamento dos cadáveres e dois móveis. Todos eles deveriam, em tese, estar preenchidos com formol, para conservação dos corpos. O problema é que não há formol para todos e os que existem estão vencidos. 

Em um dos tanques, no qual a reportagem viu um sapo, uma água barrenta saía do ralo: era esgoto que voltava da fossa por onde o formol é escoado. Como ela está cheia, a água suja começou a retornar. Nesses casos, é necessário abrir a fossa para que o formol seja liberado –e ele vai diretamente para o solo, contaminando o terreno. 

Há, pelo menos, quatro cadáveres guardados na sala: dois deles, em um tanque fixo com vedação gasta. Assim, é possível sentir o cheiro forte do formol (vencido) que envolve os corpos. Outros dois estão em um tanque móvel. Há quatro meses, o motor de abertura dele quebrou e, desde então, não pode ser aberto. Não se sabe a situação dos cadáveres que estão presos lá dentro.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o ex-reitor diz que não foi avisado dos problemas com materiais vencidos. “Você acha que o reitor tem que ir lá ao laboratório de anatomia pra ver se o formol está vencido?”, questiona. Amaral afirma que, por conta da greve dos professores –que já dura mais de 70 dias- R$ 2 milhões que seriam usados para a compra de novos equipamentos precisarão ser devolvidos. “Eu não posso comprar porque eu não sei que equipamento vai ser. É preciso que o departamento de medicina sente e faça um projetinho do que vai ser comprado e mande para a pró-reitoria comprar.”

Eldorado dos Carajás

Ao lado, fica a sala de anatomia, para onde os corpos são transportados na hora da aula. No entanto, a sala não é usada há nove meses por falta de limpeza e virou uma espécie de depósito: nela, há cadeiras velhas e livros espalhados. Segundo funcionários, como os servidores da limpeza não recebem adicional de insalubridade, não podem cuidar do local.

Em uma espécie de estante, sem refrigeração e que fica com a porta aberta o tempo inteiro, estão ossadas que seriam de mortos do massacre de Eldorado dos Carajás (PA), ocorrido em 1996. Os ossos teriam sido doados para pesquisas na universidade.

Quanto às ossadas, Amaral afirma que não tinha conhecimento delas. “Esse material que chegou deveria ser objeto de conhecimento do conselho da nossa universidade. Muitas pessoas que recebem doações não passam pelo conselho e, portanto, ficam como uma coisa clandestina.”

Química

A situação não é muito diferente no departamento de química. Um dos acessos ao prédio é feito por uma espécie de trilha, com mato alto e buracos. No caminho, é possível ver centenas de garrafas de reagentes empilhadas. Existe uma outra entrada no prédio, no entanto, atravessando um estacionamento.

Próximo ao local, fica o almoxarifado do laboratório de química que, desde 2007, não tem um técnico responsável. Esse depósito, anexo a uma sala de experimentos, guarda materiais velhos como ácidos, bases e solventes orgânicos. A sala é cheia de infiltrações, com mofo no teto e no chão e corrosão em prateleiras. No caso de uma chuva forte, o eventual contato da água com algum dos materiais pode provocar uma série de explosões em série que pode levar o prédio inteiro aos ares.

Assim como na química, no prédio onde funciona atualmente o departamento de engenharia elétrica, professores decidiram pagar do próprio bolso a instalação de equipamentos e a compra de materiais como pregos e mesas.

O ex-reitor afirmou que o material está neste almoxarifado simplesmente porque não há onde os colocar. “Aquilo lá é um depósito onde os professores colocam os rejeitos dos reagentes, dos solventes, enfim, porque simplesmente nós não temos onde colocar aqui em Porto Velho. Nós não podemos simplesmente jogar no riacho que passa lá atrás do campus”, disse ao UOL.

“Desde 2009, nós estamos trabalhando um projeto de fazer um sistema de esgotamento no campus, tanto de eflúvio de dejetos quanto de produtos químicos. Mandamos para o MEC e foi aprovado, mas ainda não conseguimos concluir a solicitação.”

Cabana de madeira e vaquinha para limpeza

Uma cabana de madeira atrás do almoxarifado da Unir concentra o maior acervo de peixes já catalogados da região. São cerca de 800 espécies diferentes que correm o risco de sumir caso o prédio, já condenado pelo Corpo de Bombeiros, desabe. Uma parte dos animais está em um container do lado de fora do prédio, pelo o qual só há acesso após enfrentar o mato alto e a lama em volta.

Nesta mesma cabana, funciona o laboratório de mastozoologia. Nele, os animais são empalhados para catálogo e pesquisa. No entanto, por falta de espaço e condições de armazenamento, eles ficam empilhados dentro de armários fechados –o ideal era que houvesse um ambiente climatizado, na temperatura e umidade corretas. Com o calor em Porto Velho –que pode chegar facilmente aos 40ºC durante a tarde- o mau cheiro se espalha pelo local.

Os pesquisadores afirmam que não há limpeza nos laboratórios, o que piora o mau cheiro. Para tentar resolver o problema, é feita uma “vaquinha” entre eles para tentar minimizar a situação. “A gente só tem essas condições ‘mais ou menos’ porque damos o nosso jeito”, afirma Maria Alice Lima, pesquisadora da faculdade.

Os bombeiros deram um prazo para que o problema de estrutura do prédio fosse resolvido.

O reitor da Unir (que já renunciou ao cargo) disse ao UOL que a cabana foi doada por Furnas para a universidade e “nem existe do ponto de vista predial da universidade, não faz parte do patrimônio”, já que ela estaria lá em caráter “provisório”. “Se ele não foi incorporado ao nosso patrimônio, ele não faz parte do metro quadrado que nós temos dentro da universidade. Portanto, não tem como ser atendido na nossa demanda”, afirmou.

O ex-reitor diz também que o projeto que está no local é da iniciativa privada e sugeriu que a diretoria do projeto use parte da bolsa que recebe para pesquisa para ajudar na manutenção do local.