PR:Escolas sem quadra e com 'vigilância BBB' expõem contrastes em ocupações
De um lado da cidade, escola a poucos metros de esgoto a céu aberto, sem quadra de esportes, com áreas de acúmulo de água ideais para a proliferação do mosquito da dengue e aulas de educação física teóricas a adolescentes. No outro lado, uma escola cercada de prédios de alto padrão que deixam, a quem está dentro da unidade, a sensação permanente de vigilância do espaço público pelo privado.
As duas escolas estaduais ficam em Curitiba e têm em comum o fato de estarem ocupadas por estudantes contrários à MP (Medida Provisória) 746, que estabelece a reforma do ensino médio, e à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 241, que disciplina os gastos da União por 20 anos.
Em ambas, porém, a queixa dos alunos sobre questões mais próximas de suas realidades que as do plano federal vão na mesma direção: a sensação de que estão abandonados. Até ontem à noite, segundo o movimento Ocupa Paraná, eram 710 colégios ocupados no Estado.
No caso do colégio estadual Cruzeiro do Sul, localizado no bairro de Santa Cândida (periferia de Curitiba), quase na divisa com o município de Colombo, a ocupação veio logo em seguida ao colégio estadual Arnaldo Jansen, em São José dos Pinhais (região metropolitana de Curitiba), primeira escola a ser ocupada no Paraná, no último dia 6. Os alunos contam que, este ano, já haviam feito manifestação na comunidade contra as condições estruturais da escola por conta do risco de contaminação por dengue. Eles lembram que um mutirão da comunidade localizou focos do mosquito Aedes aegypti nas dependências externas da unidade.
Dentro da escola, a reportagem do UOL observou pontos de água parada –na véspera, havia chovido –e salas de aula com vidros e pisos quebrados, danos pré-existentes às ocupações, segundo os alunos.
A quadra de esportes que não é quadra
Ao fundo do colégio, chama a atenção um espaço amplo que seria o ginásio de esportes –mas a única lembrança desse prédio é o telhado com calhas côncavas, incompletas. No chão, no lugar do saibro ou de outro piso que pudesse remeter à prática esportiva, há terra, pedras, frascos e pedaços de madeira com lascas e pregos à mostra. As paredes exibem uma coleção de pichações.
Os alunos contam que “há pelo menos dez anos” aguardam a entrega da quadra de esportes. “Eu mesma estudo aqui há sete anos e já ouvia que essa quadra era uma promessa antiga. Costumava brincar com meus amigos dizendo que eu sairia da escola e ela não ficaria pronta, mas estou vendo que a brincadeira virou realidade”, lamenta a estudante Daiane, 17, aluna do 3º ano do ensino médio. “Para ter aula de educação física, uma vez por semana usamos a quadra de escola municipal aqui na vizinhança; quando chove, isso aqui vira um Deus nos acuda, porque alaga e a gente não consegue passar de um bloco [de salas] para o outro”, conta.
Aluna do ensino fundamental 2, Maria Eduarda, 13, também integrante da ocupação, comenta que até tem aulas de educação física, mas aulas teóricas. “Esses dias, a professora explicou o que era o jogo de vôlei, por exemplo; se a gente não apresenta trabalho depois sobre isso, tira zero”, afirma. “O que nos fortalece é que os outros colégios ocupados tentam nos dar forças e nós buscamos dar forças a eles –porque, no mais, a sensação é de abandono. É como se só vissem apenas os colégios grandes e centrais. Nos sentimos literalmente abandonados”, define.
As duas alunas e outros estudantes que fazem parte da ocupação mostraram à reportagem salas de aula que, segundo eles, estão sendo pintadas pelos próprios estudantes como forma de não permanecerem ociosos –mesmo que a ocupação, com tarefas divididas e obrigações e proibições estabelecidas nos moldes de outros colégios, tenha oficinas do tipo aulões. Em uma das salas, eles mostram os batentes recém-pregados em portas. As salas com equipamentos de informática e as da administração são as únicas trancadas a cadeado.
“A gente precisa que alguém note que isso aqui existe –se for por uma ocupação que pede o não sucateamento da educação no país, que seja”, diz a estudante Rafaela, de 13 anos, do ensino fundamental 2. “Semanas atrás uma professora nossa foi assaltada saindo aqui do colégio”, comenta Vinicius, 14, também do fundamental 2. Sobre a presença de esgoto sem tratamento a poucos metros dali, os alunos fazem troça: “Pelo menos ninguém morreu afogado por isso”.
Colégio em área nobre tem 'vigilância BBB'
No colégio estadual Professor Lysímaco Ferreira da Costa, a situação, à primeira vista, é bastante diferente da vivida pelos alunos do Santa Cândida. Isso porque a unidade de ensino está cravada na Água Verde, bairro de mansões e prédios de luxo que faz divisa com outra área nobre da capital paranaense, o Batel. Em 2014, o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano por Municípios) revelou que o bairro liderava os índices de longevidade e educação da região metropolitana de Curitiba.
Dentro do colégio ocupado, porém, os relatos dos estudantes sobre a preocupação da comunidade escolar de dentro ou fora da vizinhança quanto aos rumos da educação pública, no entanto, denotam uma divergência.
“Ocupamos por tudo o que está sendo proposto como desmonte na educação pública, mas é muito perigoso quando vemos que algumas pessoas tentam entrar ou depredar aqui para deslegitimar a causa dos estudantes”, relata a estudante Vanessa, 17, aluna do 3º ano. “Sem contar que esses prédios aqui em volta parecem uma espécie de BBB, 24h, monitorando o que acontece aqui”, completa.
“A comunidade externa tem a opinião dela, mas o que a gente vê é que muitas pessoas não aceitam ouvir e entender as razões que nos trouxeram até aqui”, diz Ariadne, 16, do 1º ano do ensino médio. “Um sujeito comentou em um post em que pedíamos doações de alimentos, na página da ocupação no Facebook, que nos traria veneno de rato para comermos”, conta Isadora, 17, do 3º ano. “Algumas vezes ligam aqui perguntando quando as aulas vão voltar, e invariavelmente ouvimos xingamentos. Da última vez, fui chamada de vagabunda”, afirma Jacqueline, 15, do 1º ano.
Os estudantes afirmam ter feito uma assembleia no colégio na qual ficou decidida a ocupação. “A gota d’água para nós foi a MP que reforma o ensino médio. Tanto que nos reunimos com gente de outros colégios e com advogados para entender que mudanças essa medida e também a PEC 241 trariam para a educação”, diz Isadora.
Recesso nas ocupações
Em entrevista no domingo à noite, a secretária estadual de educação, Ana Seres, afirmou que todos os diretores de escolas ocupadas deveriam convocar os conselhos escolares para que, juntos, avaliassem o processo de ocupação e tomassem decisões isoladas. "Cada realidade é um ato diferente. Está muito difícil generalizar uma decisão em que ocupações se modificam a partir do momento em que iniciam o processo, por isso, vamos responsabilizar diretores [no sentido de que] ouvirão conselhos para tomadas de decisões pontuais", definiu.
Indagada sobre o que será feito caso as ocupações prossigam após o período decretado de recesso –entre os dias 17 e 21 de outubro --, a secretária resumiu: "Vamos avaliar novamente. Essas medidas são para até sexta-feira desta semana".
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Educação do Estado do Paraná se pronunciou às 15h desta quinta (20). Em nota, a pasta afirmou que “o Colégio Estadual Cruzeiro do Sul, em Curitiba, passou por ampliação no valor de R$ 373.601,09. A obra da quadra esportiva coberta do colégio, no valor de R$ 354.426, sofreu quebra de contrato e atualmente está em fase de análise para nova licitação, prevista para publicação no ano que vem”.
A secretaria ainda afirmou que o Colégio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa recebeu obras de reparos no valor de R$ 120.725,62 e que ambas unidades foram selecionadas para o Programa Escola 1000, do Governo do Paraná.
“[O programa] vai destinar R$ 100 milhões para mil escolas da rede pública estadual realizarem obras de reformas e melhorias. Cada escola do programa realizou uma audiência pública com sua comunidade escolar para definir como utilizar os investimentos”, complementa a nota. Segundo a secretaria, as obras devem ter início em 2017.
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