"Tudo o que se pede no Enem foi discutido", afirma ex-presidente do Inep
No ano em que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) chega à maioridade, acirra-se a discussão sobre o formato e o objetivo da avaliação que se tornou a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil.
“Tudo o que se pede no Enem foi discutido, nada foi arbitrário”, afirma o educador Reynaldo Fernandes, que era o presidente do Inep, o órgão do Ministério da Educação que conduziu, em 2009, a reforma que deu ao exame essa característica de grande vestibular.
A declaração é uma resposta à da atual presidente do órgão, professora Maria Inês Fini, do responsável pelo desenho pedagógico da avaliação que foi aplicada pela primeira vez em 1998, na gestão FHC. Em entrevista ao UOL, ela afirmou que o Enem foi alterado “sem nenhum critério acadêmico, pedagógico e metodológico”, o que teria “tocado o horror na estruturação do ensino médio”.
“Achar que o Enem seria um sinalizador de aprendizado se o resultado dele não fosse usado também para entrar em universidade é um equívoco. Foi com a mudança que aumentou muito a adesão e, portanto, a possibilidade de que ele de fato sirva como parâmetro para avaliar esse nível de ensino”, rebate Fernandes.
Leia abaixo a entrevista completa.
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UOL - Como você responde à crítica de que o Enem foi alterado sem nenhum critério acadêmico, pedagógico e metodológico?
Reynaldo Fernandes - Você pode discordar, mas não dizer que tenha sido arbitrário. Antes que a reforma começasse a acontecer, todas as mudanças foram discutidas por um comitê de governança que reunia tanto a equipe do Ministério da Educação como integrantes dos conselhos superiores das universidades, dos conselhos de educação estaduais e da Undime [União dos Dirigentes Municipais de Educação]. Foi esse comitê que pensou o conteúdo a partir exatamente do que se espera que o jovem saiba ao terminar o ensino médio. Toda a prova foi pensada a partir do questionamento sobre o que se quer da escola. Tudo o que se pede no Enem foi discutido, nada foi arbitrário.
Uma das principais críticas é de que a reforma transformou o Enem em um vestibular e tirou dele o caráter de diagnóstico.
Achar que o Enem seria um sinalizador de aprendizado se o resultado dele não fosse usado também para entrar em universidade é um equívoco. Foi com a mudança que aumentou muito a adesão e, portanto, a possibilidade de que ele de fato sirva como parâmetro para avaliar esse nível de ensino. Aliás, no mundo todo funciona assim: uma única prova serve como avaliação do aprendizado e como previsor do desempenho dos alunos na universidade. Não conheço exemplos de um exame como era o antigo Enem.
O Enem anterior era ruim?
Ele tinha coisas interessantes, mas nunca seria usado pelas universidades como critério único de seleção. E foi essa a principal mudança, até para atender os anseios dos próprios alunos. Em 2005, um estudo já havia mostrado que 70% dos estudantes que prestavam o Enem faziam como caminho para a universidade.
E daquele jeito ele não seria adotado?
Não, porque alguns conhecimentos, como de ciências e de história, por exemplo, eram pedidos apenas marginalmente. Podia até haver um texto que citasse Roma, mas a resolução iria ao caminho da interpretação de texto e não do conhecimento de determinado fato histórico. Era exatamente essa a percepção das universidades e o principal entrave para que elas adotassem a prova.
A reforma manteve alguma característica do Enem anterior?
Mantivemos o que ele tinha de mais interessante: a contextualização
Uma das críticas que a presidente do Inep diz ouvir com frequência é que o Sisu facilitaria que alunos do Sul e Sudeste tomem a vaga de estudantes locais em instituições do Norte e Nordeste. Qual sua opinião sobre isso?
Qualquer boa universidade busca os melhores, independente da origem deles. Do ponto de vista da universidade, ter um sistema que facilite essa seleção é muito importante. Além do que, a maioria dessas instituições localizadas nesses Estados do Norte e Nordeste são federais e, portanto, mantidas com o recurso de todos. Logo, é justo que todos possam participar.
No que o Enem ainda precisa melhorar?
Para mim, a questão logística ainda é o principal problema. Como a TRI permite que eu compare os alunos que fazem provas diferentes, o ideal era que o exame fosse aplicado gradualmente, como já acontece com a Prova Brasil [avaliação do governo federal voltado ao ensino fundamental], e que o estudante pudesse fazer a prova mais de uma vez. Mas para isso, eu tenho de ter capacidade de fazer itens, o que é complexo hoje com o sistema que não facilita a contratação de professores para esse fim. Nesse momento, o Enem funciona como um grande concurso público. Tem de avançar e ficar como o SAT [processo de seleção dos EUA]
O senhor acredita que a matriz poderia ser um pouco enxugada?
Acredito que há várias discussões que poderiam ser melhoradas ou estudadas. A questão da matriz depende muito da escola que queremos. É uma discussão que tem de ser feita sistematicamente. O que se concorda hoje pode mudar com o tempo. Mas a ideia nunca foi fazer uma prova conteudista. Há avaliações orientadas pelo currículo e outras que se propõem a medir o conhecimento que o aluno deveria ter depois de passar pela escola, e esse é o caso do Enem que construímos.
Caso haja um retorno ao modelo antigo da prova, o senhor acredita que as universidades continuariam a usar o Enem?
Não acredito que vá existir uma proposta de retorno e, mesmo que houvesse, as universidades se posicionariam contra.
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