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Análise: Novo passe estudantil em SP restringirá ações extracurriculares

VINICIUS PEREIRA/Folhapress
Imagem: VINICIUS PEREIRA/Folhapress

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

31/07/2017 11h00

Os alunos da rede estadual de ensino de São Paulo voltam às aulas a partir desta segunda-feira (31) e se unirão ao fluxo dos estudantes das escolas municipais que já retomaram as aulas na semana passada. O retorno vem com mudanças na gratuidade do Bilhete Único da cidade de São Paulo oferecida a estudantes da rede pública. As alterações entrarão em vigor a partir de manhã (1º).

Segundo as novas regras divulgadas pela Prefeitura de São Paulo no dia 8 de julho, os cerca de 800 mil estudantes que têm direito a viagens gratuitas em ônibus da rede municipal poderão fazer quatro embarques em um período de duas horas, duas vezes ao dia, para ir à escola ou universidade e voltar para casa.

Antes, quem dispunha do benefício tinha o direito a oito embarques em um período de 24 horas, contados a partir do registro da primeira utilização da cota. Em um mês, um estudante que vai os cinco dias úteis da semana à escola/universidade tinha 24 cotas. Agora esse número passou para 48 cotas. As cotas continuam não sendo cumulativas.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL, a restrição no tempo para fazer os embarques deve dificultar o acesso dos estudantes a bibliotecas e equipamentos culturais, que também deveriam integrar o processo de aprendizado. Os alunos que vivem em regiões mais periféricas da cidade seriam os mais prejudicados.

“Quando se pensa somente na escola, quatro embarques para ir e para voltar são suficientes. Mas existem outras atividades que também fazem parte do estudo. E entram nessa vertente as bibliotecas, por exemplo”, afirma Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, especialista em mobilidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

De fato, segundo dados do Censo Escolar 2016, apenas 9% das escolas públicas da cidade de São Paulo (das redes municipal, estadual e federal) têm bibliotecas -- 61% do total de escolas têm salas de leitura, com um acervo menor e sem bibliotecário. 

Segundo informações disponíveis no site da Prefeitura de São Paulo, a gestão municipal mantém 51 escolas públicas nos bairros, 46 bibliotecas dos CEUs, cinco centrais e três em centros culturais, além da biblioteca do Arquivo Histórico Municipal. Já o sistema de bibliotecas estaduais informa que, na cidade de São Paulo, existem 60 desses equipamentos disponíveis para o público.

O professor livre-docente em Planejamento e Projeto Urbano da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Lauro Luiz Francisco Filho, explica que por São Paulo ser uma cidade “espraiada”, que tem áreas muito distantes uma das outras, os principais serviços tendem a se concentrar no centro.

“As empresas de ônibus têm um modelo que liga os bairros ao centro. É difícil a ligação entre as periferias. Então um estudante que mora na periferia e vai em direção ao centro precisa fazer entre quatro ou cinco baldeações para conseguir chegar às áreas centrais”, afirma.

Para o presidente da Upes (União Paulista de Estudantes Secundaristas), Emerson Santos, as mudanças demonstram a concepção de educação que a gestão municipal possui.

“Passe livre não tem que ser só para ir e voltar da escola. Ele precisa garantir que o estudante tenha acesso à educação como um todo. Ser estudante não é apenas ir e voltar da escola, ele tem atividades extracurriculares que contribuem para o seu aprendizado, tem museus e outros equipamentos culturais que oferecem conhecimento. As escolas não têm bibliotecas e muitas vezes, para estudar, pesquisar, o estudante precisa pegar ônibus para ter acesso a elas”, diz.

Desvirtuamento no uso o benefício

À época em que as mudanças foram anunciadas, o secretário municipal de Transporte e Mobilidade Urbana, Sérgio Avelleda, afirmou que as novas regras se davam pelo "desvirtuamento no uso o benefício". "Passe livre é para garantir acesso à educação e havia muita gente usando para outras finalidades, prejudicando o sistema como um todo", disse em vídeo publicado no perfil do prefeito João Doria, no Facebook.

Com a restrição a prefeitura estima que terá uma economia de R$ 70 milhões.

Para o professor Lauro Luiz Francisco Filho, sempre que houver a oferta de um determinado serviço, uma pequena parcela vai fazer uso dele de forma desvirtuada. “Quem tem vai vender, vai tirar vantagem, isso ocorre. O que não pode fazer é penalizar a grande maioria que faz a utilização correta do serviço em detrimento de uma minoria. É a minoria que comete o erro”, afirma.

Ele defende que em vez de criar um sistema que combata a prática, as gestões costumam “penalizar a maioria que usa corretamente” porque “é mais fácil”. “É mais fácil criar uma regra para todo mundo. Mas existem formas de fiscalizar, combater uso errôneo”, diz.

Para Mello Filho seria viável para a Prefeitura estabelecer uma PPP (Parceria Público-Privada) que possibilitasse a “customização” dos beneficiários. “Se conseguíssemos identificar onde ele reside, estuda, se tem atividade extracurricular que seja rotina, se vai para a biblioteca, se faz atividade de lazer em prol da educação, como teatro e cinema, seria possível oferecer o benefício de forma customizada”, explica.

O professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie acredita que empresa de aplicativos de celular que auxiliam na mobilidade – qual meio de transporte usar, quia s as melhores rotas para ir a pé etc – poderiam ser boas fontes de parceria.

“A única forma de evitar fraude é o controle. Quando mais controle, mais restringe o uso de forma inadequada”, diz. Para ele, essa customização poderia ser capaz de reduzir mais que R$ 70 milhões dos gastos.

Estudantes insatisfeitos

Desde que a medida foi anunciada, uma série de protestos tem sido convocada pelas entidades estudantis contra as novas regras. O último aconteceu no dia 18 de julho e terminou em confusão entre PMs e manifestantes.

Os estudantes prometem mais manifestações. “A gente pretende continuar com os atos que começamos agora em julho. Entendemos que voltando as aulas, os estudantes vão entender os impactos dessa medida. Vamos conseguir construir um debate e lutar contra essa medida”, diz Emerson Santos, presidente da Upes.

Santos afirma que um calendário de ações será construído assim que as aulas começarem. “Agosto é o mês do estudante. Nós das entidades estudantis estamos preparando uma série de jornadas nacionais de lutas. Aqui em São Paulo, a centralidade vai ser defesa do passe livre estudantil”, afirma. Segundo ele, há atos marcados em todo o país para o próximo dia 17 de agosto.

Outro lado

Procurada, a SPTrans informou, em nota, que as mudanças nas regras do Passe Livre "foram feitas para manter a finalidade do benefício e oferecer o transporte de ida e de volta aos estudantes, assegurando, assim, o acesso à educação".

A SPTrans também informou que, a partir do dia 1º, as cotas gratuitas de passagem de ônibus para os beneficiários do Passe Livre serão fornecidas aos estudantes em formato que permita, em cada uma das cotas, até 4 embarques em ônibus diferentes no período de até 2 horas, contadas a partir do registro da primeira utilização da cota.

"O número de cotas vai variar conforme a frequência exigida pela instituição: de 10 cotas por mês para cursos que exijam uma presença por semana a até 48 cotas por mês para curso que exijam cinco presenças por semana", afirmou.

Quem estiver matriculado em mais de uma instituição poderá pedir aumento da cota de gratuidade à SPTrans.