Topo

Obrigado a deixar Angola, refugiado presta Enem de olho em ser engenheiro

Daniel, refugiado angolano que vai prestar o Enem no Rio de Janeiro Imagem: CáritasRJ/Divulgação

Bruno Aragaki

Colaboração para o UOL, do Rio de Janeiro

12/11/2017 09h38

Dois anos depois de se ver obrigado a deixar Angola e acabar se mudando para uma das favelas mais violentas do Rio, Daniel, 22, sonha com alternativas. Com o resultado do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), espera finalmente fazer aquilo quer: “Estudar engenharia mecânica. Falam que administração ou direito é mais fácil. Mas a pessoa tem que escolher o que gosta”, diz.

Ele fez provas neste domingo (12) em uma universidade instalada num shopping da zona norte do Rio e se diz mais confiante do que na última semana. “Matemática é igual em todas as partes. Já geografia e história foram muito específicas daqui. Em Angola, a gente estuda um pouco mais o mundo como um todo”, diz.

Veja também

Cerca de 6,7 milhões de candidatos fizeram as provas hoje.

No Brasil com visto de refugiado, Daniel é enfático ao dizer que não está aqui porque quer. “Não foi opção. Era a única saída”, diz.

De poucas palavras e com o olhar treinado a desviar o contato, Daniel tem medo de falar o sobrenome e aparecer em fotos. Ele nasceu em Cabinda, território de aspirações independentistas, geograficamente separado do restante do país e palco de diversas violações de direitos humanos, apontadas pela comunidade internacional.

“O governo diz que minha igreja apoiava o partido político inimigo”, resume, ao explicar que precisava se esconder, caso não quisesse lutar. “Lá, eles não entendem que você pode ter uma religião, sem estar ligado a nenhum partido”, explica.

    Sua história coincide com os relatos da Human Rights Watch, organização internacional que denuncia que, apesar do fim da Guerra Civil angolana em 2002, o país ainda persegue grupos religiosos e partidos políticos, principalmente em Cabinda. Assim como Daniel, pelo menos outros 8 mil angolanos vivem como refugiados no Rio de Janeiro, segundo a organização católica Caritas.

    Muitos deles --é o caso de Daniel-- saem de Angola com passagem paga pelos colegas de igreja. “Comecei a frequentar uns cultos perto de casa no Rio, mas não tenho tempo. Preciso trabalhar”, diz.

    Nova página

    Com o salário mínimo que recebe como copeiro em um clube na zona sul carioca, Daniel paga aluguel em uma das favelas mais violentas da cidade --Barros Filho, território dominado por milicianos, a uma hora e meia de ônibus do seu trabalho.

    “Quando cheguei, pensei: Meu Deus, aqui eles também estão em guerra!”, diz, referindo-se aos homens com fuzis que integram a paisagem de seu bairro.

    Para escapar novamente de uma realidade violenta, Daniel se inscreveu em março em um cursinho e teve que brigar no trabalho para conciliar os estudos. “O gerente não queria deixar eu chegar meia hora mais tarde. Fui falar com a dona, e ela deixou eu repor essas horas no fim de semana”, diz.

    Além da falta de tempo e de dinheiro, ele lamenta as dificuldades de integração com os brasileiros. “Os angolanos não sabem que o Brasil é racista, mas os estrangeiros brancos não têm tanto problema aqui. Na fila para validar o diploma, a atendente não me viu e foi passando um rapaz branco na minha frente. Com o tempo, você desiste de ter amigos brasileiros, você muda sua atitude também”, diz.

    Com os deslocamentos extras para o cursinho, seus gastos com transporte aumentaram e Daniel resolveu investir numa segunda fonte de renda: uma barraquinha que monta nas horas livres em sua favela, oferecendo consertos simples para celulares.

    “Aprendi sozinho. Sempre gostei de mexer com máquinas e aparelhos. Quando era criança, até me machuquei com um martelo do meu pai. Acho que vou ser um bom engenheiro”, diz.

    Gabaritos e resultados

    O gabarito oficial desta edição do Enem será divulgado pelo Inep até o dia 16 de novembro.

    A previsão é de que o resultado oficial, com as notas individuais de cada candidato, seja divulgado em 19 de janeiro de 2018.

    Veja as regras de segurança que você vai ter que seguir no Enem

    Comunicar erro

    Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

    Obrigado a deixar Angola, refugiado presta Enem de olho em ser engenheiro - UOL

    Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

    Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


    Vestibular