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Ex-catador tem projeto selecionado e vai estudar na Universidade de Harvard

Ciswal Santos vai desenvolver projeto de energia solar com a Universidade de Harvard - Reprodução/Facebook
Ciswal Santos vai desenvolver projeto de energia solar com a Universidade de Harvard Imagem: Reprodução/Facebook

Bibiana Bolson

Colaboração para o UOL

28/09/2018 14h32

Hoje professor de ciência da computação, Ciswal Santos viu no lixo uma oportunidade de ouro: transformar uma renda de R$ 7 por semana em material para estudos. Catador de latas durante quatro anos, graduou-se em física e agora foi selecionado pela Universidade de Harvard, nos Estados. Ele terá a chance de desenvolver um projeto sustentável de energia solar que pode ajudar milhares de pessoas no Brasil.

O desfecho inspirador é de um pernambucano nascido em Palmares e criado em Juazeiro do Norte, no Ceará. De origem humilde, Santos, de 32 anos, venceu a fome, a falta de oportunidades e apostou nos livros para encontrar um caminho diferente no interior cearense. "Não use a desculpa que você não teve chance, não teve oportunidade, corra atrás daquilo que você acredita, tenha coragem e determinação, e invista tudo, tudo mesmo, em educação, que a recompensa vai valer a pena", afirma.

A recompensa dele veio por meio de um e-mail com a carta de aprovação para um programa da renomada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Depois de outras tentativas sem sucesso para ingressar no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), também instituição conceituada de ensino norte-americana, Santos estava quase desistindo de levar às instituições estrangeiras o projeto de um equipamento que reduz em 70% o consumo de energia de uma residência de uma família de classe média, com quatro pessoas.

Santos passou por várias etapas até conquistar a aprovação. Ao UOL, o professor explicou que inicialmente havia uma dificuldade das instituições e ensino no entendimento da funcionalidade do projeto por questões climáticas, em especial em Boston, onde fica Harvard, pois as quatro estações do ano são bem definidas, com verão e inverno rigorosos.

Durante o processo de seleção, o ex-catador precisou ser enfático com relação as características do clima cearense, com temperaturas altas o ano inteiro e escassez de chuvas. "É um projeto ideal para as condições do Ceará, calor o ano inteiro. Essas placas podem ser usadas para gerar energia para iluminação das residências e em muitos equipamentos, só não sustenta motores mais potentes, de geladeira e máquina de lavar, por exemplo. Ele pode ser usado durante dez anos", explica o autor.

Inicialmente, a ferramenta foi orçada em cerca de R$ 2.200, mas em contato com um pesquisador asiático, Santos conta que já sabe que com peças vindas da Ásia poderá reduzir ainda mais esses custos chegando a um valor R$ 1.200. O objetivo final, segundo o pesquisador, é baratear para um salário mínimo, algo por volta de R$ 900.

O projeto em Harvard

Durante um ano e meio – podendo prorrogar o período letivo por outros 18 meses – terá a chance de estudar na universidade, as aulas serão ministradas online. O acompanhamento será feito por nomes conhecidos da academia e deve auxiliar no aprimoramento do projeto que pretende gerar energia solar de forma sustentável com um aparelho que custa um pouco mais de um salário mínimo. Depois desse período de aulas, ele poderá angariar recursos públicos e privados para criar o equipamento de energia solar sustentável.

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"Eu não quero ganhar dinheiro com o projeto, quero apenas que o caminho seja mais fácil para as pessoas do que foi para mim", explica o pesquisador. "Imagine a energia sustentável e limpa nas escolas, com placas, com disposição de eletricidade gratuita e 24 horas por dia. A redução de custos pode ser convertida para outras áreas."

História do ex-catador

Nascido em Pernambuco, ele chegou ao Ceará com 12 anos. Filho de uma faxineira, dona Valdenora, que sempre trabalhou para sustentar Santos e os irmãos, ele começou a trabalhar cedo para ajudar a família e recebia cerca de R$ 20,00 por semana com serviços informais no comércio.

Estudante de universidade pública, precisou de uma alternativa de renda para que pudesse fazer cópias e imprimir apostilas de estudo. Decidiu procurar no lixo um sustento, tudo o que juntava com o trabalho de coletar latas nas ruas, em bares e restaurantes, era convertido em educação, a prioridade. Nesse caminho, contou também com a solidariedade de estranhos, que, às vezes, ajudavam com um prato de comida ou com alguns trocados.

Foi assim que cruzou José Gondin pelo caminho. O proprietário de um bar em Juazeiro do Norte perguntou ao então menino o que ele fazia com o dinheiro que ganhava com a sucata e, segundo Santos, foi surpreendido com a resposta: "Eu estudo, seu José". Gondin, então, passou a guardar todas as latas semanalmente. "Era o nosso combinado. Ele guardava todas as latas do bar, e eu tinha uma obrigação apenas, mostrar meu caderno e meus exercícios para ele toda sexta-feira, então eu pegava aquelas latas e trocava por dinheiro", explica. "Na época, o quilo de latas custava R$ 2,00, eu sabia que tinha que guardar mais ou menos 280 latas para dar um quilo. Meu planejamento inteiro de absolutamente tudo era assim, das apostilas ao tênis que eu usava, tudo era calculado em latinhas."

Apaixonado por super-heróis até hoje, foi por meio de histórias em quadrinhos de Batman, Capitão América e Super-Homem que ele deu outro passo significativo em sua formação: aprendeu a ler, escrever e falar inglês com as revistas. "Eu pegava revistas comuns em clínicas, vendia elas no sebo ou trocava por revistas de quadrinhos, minha paixão, eu adorava ler sobre super-heróis. Muitas eram em inglês, as minhas favoritas na biblioteca também eram em língua estrangeira, então me obriguei a imprimir essas histórias escondido, pegar o dicionário da biblioteca emprestado e ir traduzindo."

Agora futuro aluno de Harvard, além de lecionar e compartilhar conhecimento com dezenas de alunos diariamente, ele é tricampeão de judô e campeão nordestino de xadrez. E tem mais, virou escritor: acabou de lançar um livro chamado "Pensamentos que fazem crescer". Questionado se deseja deixar o país, Santos foi categórico. "Não saio daqui por nada nesse mundo, quero continuar assim, dando minhas aulas, ajudando meus alunos, mostrando as possibilidades da educação. Eu tenho um curso de jardinagem que nunca usei na minha vida, mas assim que é, educação nunca é demais. Você sempre aprende algo, esse é o exemplo que eu quero transmitir, de que há alternativas", explica o professor.