A luta de editores da Wikipédia para evitar Ctrl+Z no verbete de Weintraub
Resumo da notícia
- Editor da Wikipédia relata pedido para apagar artigo sobre Weintraub
- Os textos são feitos pelos usuários - que disputam por alterações na página do ministro
- O MEC entrou na batalha e ameaçou tomar ações judiciais
- Disputa fez página ser bloqueada para edição de usuários não identificados
No dia 1º de julho, um editor da Wikipédia relatou no fórum de discussão sobre o verbete do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ter recebido em seu email pessoal uma mensagem da assessoria de imprensa do ministério solicitando a exclusão do artigo.
No comunicado, a assessoria de imprensa do MEC dizia que a biografia de Weintraub na Wikipédia continha "informações não confirmadas", o que contribuiria para "interpretações dúbias". A equipe do MEC também se queixava de não conseguir editar o conteúdo da página, hoje protegida para edição por "vandalismo excessivo".
"Caberia alguma resposta formal da comunidade quanto à solicitação do MEC?", questionou o editor, que se identifica como Chronus.
"Pra mim só existe uma, devolvida por vc mesmo, já que quem recebeu o e-mail foi vc: poderia informar de que "informações não confirmadas" que poderiam levar a "interpretações dúbias" [o MEC] fala? Só a partir daí se pode ter alguma ideia do que se trata", respondeu o editor MachoCarioca.
"Responda que ninguém na Wikipédia tem o poder pessoal de simplesmente eliminar um artigo unilateralmente", opinou o editor Leefeni de Karik. "Que a Wikipédia não inventa informações, apenas reproduz fontes exteriores", completou.
A página sobre Weintraub na enciclopédia foi criada no dia 8 de abril, mesma data em que ele foi anunciado ministro, por um usuário identificado como Neistron. Desde então, o verbete vem passando por uma verdadeira guerra de versões.
A disputa fez com que a edição da página fosse colocada sob proteção uma série de vezes pelos editores da Wikipédia. Hoje, por exemplo, o verbete não pode ser alterado por usuários anônimos. Contas que existam há menos de quatro dias e que não tenham realizado ao menos dez edições também não têm autorização para editar artigos sob esse tipo de proteção.
Um dia após a criação da página de Weintraub na Wikipédia, por exemplo, um usuário anônimo incluiu à sua biografia que ele "declarou que os comunistas são o topo do país" logo após assumir o MEC. No intervalo de um dia, o trecho foi suprimido, apareceu novamente sob o intertítulo "Visão sobre comunistas" e foi mais uma vez apagado.
A inclusão de uma reportagem do jornal O Globo, em que educadores diziam estar preocupados com o anúncio de Weintraub para o MEC por ele não ter experiência na área da educação, também foi colocada em xeque.
"Fonte relativa e pouco relevante, visto que qualquer um pode ser 'crítico', não dando validade ao enunciado. Empobrece a biografia e cria um esteriótipo (sic) maldoso e covarde com a realidade", escreveu o usuário anônimo que retirou o trecho do verbete.
Mas uma das maiores batalhas girou em torno do termo que seria utilizado para falar do bloqueio de verbas imposto por Weintraub ao orçamento das universidades e institutos federais.
Foram sucessivas alterações no artigo entre o fim de abril e meados de maio: os termos "corte" e "contingenciamento" entraram e saíram do texto diversas vezes, assim como as porcentagens de 30% e 3%. Nesse período, o verbete de Weintraub também chegou a ser incluído e retirado da categoria "Extrema-direita no Brasil".
"Acredito que algum administrador competente deva proteger a página por um tempo. Vandalismos, parcialidades e porcentagens duvidosas são alteradas toda hora. É preciso de um tempo para respirar, digamos", escreveu, em maio, o editor Bageense no fórum.
Mas a guerra foi levada a cabo pelo próprio MEC. Em junho, o ministério procurou os administradores da Wikipédia pela primeira vez para pedir que o verbete fosse excluído. Outro email, desta vez com ameaças judiciais, foi disparado pela equipe do MEC no dia 13 de agosto. Segundo o texto, Weintraub contesta o trecho que fala do orçamento das universidades, além de informações sobre sua vida pessoal --mas não se sabe quais.
Hoje, o verbete de Weintraub diz que ele anunciou um corte, e não um contingenciamento, na verba das instituições de ensino superior. Diz, ainda, que o ministro já cometeu erros gramaticais ao utilizar em um ofício os termos "paralização" e "suspenção", além de confundir o nome do escritor Franz Kafka por "Kafta". Também aponta que ele, sua mulher e seu irmão são professores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), motivo de serem acusados de nepotismo.
Com a divulgação da tentativa de exclusão do artigo pela imprensa, as visualizações diárias da página saltaram de menos de 200, no dia 26 de junho, para mais de 23 mil no dia 4 de julho. A média diária, hoje, é de 1.235 acessos.
Menções a censura e comunicado coletivo
Desde a escalada do embate, menções a uma tentativa de censura pelo MEC apareceram pelo menos oito vezes no fórum de discussão sobre o verbete.
"Vejo esta como uma tentativa de censura e falta de compreensão por parte da equipe do ministério sobre o que é a Wikipédia, suas dinâmicas e objetivos", escreveu o editor Rodrigo Padula.
Citando uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2015, que liberou a publicação de biografias sem autorização prévia da pessoa retratada, o editor disse ainda que esse é o caso de um verbete na Wikipédia: "Nada mais é do que um texto biográfico não autorizado".
Editores e usuários também passaram a debater se há sentido que a biografia de Weintraub tenha uma seção dedicada às polêmicas do ministro, que hoje aparece no texto sob o título "controvérsias". No debate, não deixaram de demonstrar preocupação com a imagem da Wikipédia "frente ao grande público".
"Quem está com a imagem ruim nesse caso não é a Wikipédia, mas ele [Weintraub]", escreveu MachoCarioca.
"Quando uma matéria publicada em mídia de grande circulação afirma que a Wikipédia está publicando informações dúbias, é isso que precisa ser esclarecido, mostrando como são as nossas políticas editoriais", respondeu PauloMSimoes.
Em conjunto, os editores decidiram elaborar um comunicado sobre a forma de funcionamento da Wikipédia e o pedido de exclusão do verbete de Weintraub.
No texto, eles reforçam que artigos da Wikipédia devem reproduzir apenas o que é publicado por fontes "reputadas e notórias". Destacam, ainda, que a enciclopédia não é uma rede social "em que os biografados decidem sobre a permanência ou não de seus artigos".
"De forma rotineira, recebemos alertas sobre problemas nos artigos da Wikipédia e buscamos corrigi-los. É indicado, em caso de eventuais problemas, que estes sejam claramente expostos, possibilitando assim ações efetivas", diz o comunicado, que foi colocado com destaque no verbete do ministro.
Até hoje, foram registradas 259 edições na página de Weintraub na Wikipédia. A mais recente delas foi feita no dia 13 de setembro devido a um "excesso de subsubsubseções", reorganizando o conteúdo do verbete —não houve, no entanto, retirada de conteúdo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.