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Pais e mães pressionam colégios de elite em SP por medidas antirracistas

Pais e mães se unem para pedir que Colégio Santa Cruz implante ações antirracistas - Alberto Rocha/Folhapress
Pais e mães se unem para pedir que Colégio Santa Cruz implante ações antirracistas Imagem: Alberto Rocha/Folhapress

Nairim Bernardo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/08/2020 04h00Atualizada em 25/08/2020 19h24

Das ruas e redes sociais, as mobilizações contra a desigualdade racial chegaram a colégios particulares de São Paulo. Escolas de elite, cujas mensalidades podem superar os R$ 4 mil, passaram a ser pressionadas por pais, mães e responsáveis para adotar políticas antirracistas, como a criação de cotas na concessão de bolsas e incremento na contratação de professores negros.

Os grupos, formados por pessoas brancas e negras, tenta fazer valer as declarações da ativista e filósofa Angela Davis: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista".

Mais professores, estudantes e cultura negros

Ao ler uma reportagem sobre a falta de medidas de combate ao racismo em escolas particulares, a advogada Evie Barreto Santiago resolveu agir. O filho dela está no 6º ano do Colégio Equipe, que tem mensalidade média de R$ 2.350. "Como mulher negra e consciente do meu papel social, eu decidi me articular. Não dá para ser confrontada com essa realidade e não fazer nada", conta.

Os pais rapidamente formaram uma comissão, escreveram uma carta, assinada por cerca de 90 pessoas, e entraram em contato com a escola. Entre os pedidos, estão:

  • ampliação da representatividade negra na estrutura discente, docente e diretiva;
  • revisão do currículo escolar de forma a ver nele refletida a importância da cultura africana e afro-brasileira;
  • estruturação de uma agenda antirracista na qual a comunidade escolar possa promover um debate constante e aprofundado sobre o racismo estrutural e formas de combate a ele e estabelecimento de um diálogo institucional com a sociedade civil e com o movimento negro organizado.

Essas também são as bases dos pedidos em escolas como Oswald de Andrade e Santa Cruz.

Também há coletivos de pais antirracistas na Escola Vera Cruz, no Colégio São Domingos, na Escola Alecrim e na Escola da Vila.

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A advogada Evie Barreto Santiago é mãe de uma estudante do Colégio Equipe
Imagem: Arquivo Pessoal/Evie Barreto Santiago

O ideal será ver na escola, no corpo de alunos e alunas, professores e coordenadores, o reflexo quantitativo do número de pessoas negras que há na sociedade [segundo o IBGE, 53,6% da população brasileira se autodeclarada negra, ou seja, é preta ou parda]. E, qualitativamente, eu quero que meu filho possa aprender o papel relevante que o negro tem na construção desse país e que ele conheça as nossas estratégias de luta e resistência, não só sobre escravidão
Evie Barreto Santiago, advogada

O ensino de história e cultura afro-brasileira é obrigatório entre as disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos Fundamental e Médio desde 2003, conforme determina Lei 10. 639. Isso vale para escolas públicas e privadas. Estes conteúdos, que poderiam ser uma prática contra o racismo, nem sempre são vistos como prioridade. Os colégios ouvidos pelo UOL informam ter em seus currículos preocupação com o ensino da história africana e afro-brasileira e dizem que há projetos sobre isso.

Já o número de estudantes e docentes negros, quando mensurado, é pequeno em muitas instituições. Luciana Fevorini, diretora do Equipe, não soube informar quantos alunos ou professores negros há no colégio. "Não temos esses dados porque essa pergunta sobre autodeclaração nunca foi feita na matrícula. Em relação a professores, também não perguntamos. Já entre os mantenedores, de oito pessoas há dois negros. Está em pauta se devemos incluir essa pergunta", diz.

Não é só por cotas

No Oswald de Andrade, os debates começaram em 2018 e retornaram em 2020 com maior força na esteira do assassinato do cidadão negro George Floyd pelo então policial branco Derek Chauvin, na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos. (EUA). O caso desencadeou manifestações antirracistas em vários países do mundo, inclusive no Brasil.

No colégio, cuja mensalidade média é de R$ 3.522, um coletivo antirracista composto por 25 famílias passou a se reunir online semanalmente.

"Queremos mudar a forma de ensinar, referências pedagógicas e visuais, equipe e promover uma alfabetização antirracista para os educadores, famílias e alunos de modo a tornar o colégio um ambiente acolhedor para todas as raças" explica o cientista social Cassio França, que tem dois filhos matriculados no colégio.

Também integrante do grupo, o empreendedor e jornalista Rosenildo Ferreira, pai de uma aluna do 6º ano, diz que a escola já é aberta a debater o assunto, mas é preciso ver ações mais robustas sendo colocadas em prática.

Quando é a escola que começa, às vezes vira uma questão de marketing, não de luta. Eu não estaria nessa discussão se ela se resumisse a bolsas para alunos negros, isso é o mínimo (...) Estamos dialogando com uma escola que já tem uma preocupação com diversidade. Mas diversidade é um passo, agora queremos dar outros. De 0 a 100, estamos no 10 e queremos chegar a 100"
Rosenildo Ferreira, empreendedor e jornalista

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Rosenildo Ferreira, empreendedor e jornalista, que possui filho matriculado no Colégio Oswald de Andrade
Imagem: Arquivo Pessoal/Rosenildo Ferreira

Para André Ferreira Santos, coordenador de comunicação do Oswald, o valor da mensalidade média ser de R$ 3.522 e o fato de que há cerca de 20 alunos negros em um total de 820 faz pais e mães negros não quererem matricular seus filhos no colégio por medo da exclusão. Para ele, o movimento de pressão é inédito.

"Eu trabalho em escolas há um bom tempo. Nunca vi iniciativa como essa. Acho que vem de uma comoção desse momento em que a sociedade percebe preconceitos que as pessoas negras vivenciam todos os dias. Considero muito importante que essas mudanças comecem pela educação", diz Santos.

Financiamento de mensalidades

Assim como no Equipe, o grupo de pais que pedem medidas antirracistas no Colégio Santa Cruz também se formou há cerca de dois meses no rastro das recentes manifestações por igualdade racial. Valquiria Jovanelle, mãe de um estudante da Educação Infantil, diz que o filho já percebe que é diferente dos coleguinhas, "mas para ele isso não é uma questão".

No Santa Cruz, cujo valor médio da mensalidade é de R$ 4.180, entre os aproximadamente 2 mil alunos do ensino regular, cerca de 20 são negros. Entre os professores, há entre 10 e 15 negros dentro do corpo docente de 300. No período noturno, a escola oferece gratuitamente cursos técnicos e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dos 600 alunos, entre 40% e 50% são negros.

antirracistas3 - Arquivo Pessoal/Valquiria Jovanelle - Arquivo Pessoal/Valquiria Jovanelle
A advogada Valquiria Jovanelle é mãe de um aluno do Colégio Santa Cruz
Imagem: Arquivo Pessoal/Valquiria Jovanelle

Segundo Jovanelle, o grupo de pais está discutindo como a escola pode atrair mais estudantes negros. "Estamos pensando em criar um fundo dentro da própria comunidade escolar e junto a outros interessados para captar recursos para financiar alunos bolsistas. Além disso, queremos atrair as famílias que já podem arcar com a mensalidade, deixando claro que essa é uma escola acolhedora".

Para Fábio Aidar, diretor do Santa Cruz, ainda não há clareza sobre a inclusão de cota racial no programa de bolsas já existente. O assunto, diz, será discutido de forma cuidado na congregação e no conselho administrativo.

Para o produtor de televisão Tiago Mello, que têm dois filhos estudando na instituição, "não há democracia sem equidade racial e não existe ensino de qualidade sem diversidade".

"Conviver com o diferente e dialogar com a sociedade é um valor histórico do Santa Cruz, mas isso não é possível dentro de uma cultura de condomínio, na qual a comunidade escolar só convive com quem é parecido com os que já estão ali."

O que dizem as escolas?

Procuradas pelo UOL, as escolas se declararam abertas às solicitações dos pais e interessadas em promover mudanças em sua cultura e estrutura. Entretanto, ainda não sabem como e quando esses planos vão sair do papel.

"Temos uma dificuldade que é conseguir financiamento para esses alunos. Estamos começando a estudar a questão e ainda não temos uma meta traçada. Mas temos sim o desejo de ampliar a diversidade", comenta Fábio Aidar, diretor do Santa Cruz.

A diretora do Equipe, Luciana Fevorini, afirmou que garantir a democracia e a igualdade racial são princípios vitais do colégio. Essa pauta não estava em foco porque a escola estava concentrada na adequação do ensino à distância devido à pandemia de covid-19. "Quando a comissão de pais nos procurou, foi bom saber que eles estavam organizados e mobilizados para falar sobre isso, pois também consideramos importante discutir essas questões."

Já o Oswald de Andrade informou ter contratado uma consultora especializada em questões étnico-raciais para ajudar a estruturar as mudanças pedagógicas e administrativas solicitadas pelos pais. A comissão de pais antirracistas e a consultoria serão envolvidos para diminuir o sentimento de exclusão que pode afastar alguns pais.

"Queremos fazer isso de forma organizada e adequada. Não é inventar a roda, mas ouvir quem já estuda e trabalha com isso há anos, mesmo nesse contexto de pandemia, que está sendo financeiramente muito difícil para as escolas", conta André Ferreira Santos, coordenador de comunicação.