Volta às aulas vira disputa entre professores, escolas e governos
Depois de um 2020 de escolas fechadas, 2021 começou com a previsão de que haveria maior definição sobre a retomada das aulas presenciais. Estados organizaram seus calendários e planejaram o retorno parcial dos alunos para as salas de aula, em geral, para fevereiro. Famílias e escolas começaram a se preparar para a volta à rotina.
A pandemia, no entanto, não deu trégua —como já se imaginava, o número de casos e mortes pela covid-19 no país voltou a aumentar depois das festas de fim de ano. E a campanha de vacinação, que teve início no país no fim de janeiro, acontece aos atropelos: não dá para saber quantas doses teremos para os próximos meses e nem quando teremos uma quantidade razoável de pessoas imunizadas.
Esse cenário de incertezas alimenta o que virou uma verdadeira disputa entre professores, escolas e governos sobre a retomada das aulas presenciais no país.
De um lado, está quem defende a retomada das atividades presenciais:
- As autoridades que garantem que há um protocolo de biossegurança, preparado com a ajuda de especialistas da saúde, que permite a reabertura das escolas.
- As escolas particulares, em especial as de educação infantil, que temem ter de fechar as portas definitivamente devido à queda nas matrículas na pandemia, pois há sinais de migração de alunos da rede particular para a pública. Na cidade de São Paulo, as matrículas de crianças de 4 a 6 anos na rede municipal cresceram 73% em julho do ano passado.
De outro lado, quem tem receio:
- Os professores, que questionam a segurança da volta das atividades nesse momento de recrudescimento da pandemia, com novas variantes potencialmente mais contagiosas em circulação em diferentes estados. A Apeoesp, sindicato que representa os docentes da rede estadual de São Paulo, diz que ainda há ambientes fechados e mal ventilados nas escolas e defende o retorno das atividades apenas com a vacinação dos profissionais da educação.
Com medo, os docentes se sentem inseguros e ponderam as possíveis consequências de uma maior circulação de pessoas em cidades que, mesmo em meio a uma pandemia, ainda têm ônibus e metrôs lotados. Em um país com desigualdades gritantes como o nosso, preocupa a condição das escolas de cidades Brasil afora, especialmente as da rede pública.
Em meio a essa encruzilhada, estão as crianças e adolescentes que dependem da merenda para ter uma refeição e que encontram no pátio da escola um ambiente seguro, livre de abusos que podem acontecer na rua ou até mesmo dentro de casa. Está também o aprendizado e o desenvolvimento de toda uma geração.
No Brasil, o fechamento das escolas já durou o dobro da média mundial desde o início da pandemia, segundo levantamento da Unesco.
Em outros países, o que vinha se consolidando como uma tendência pela reabertura das escolas, no fim do ano passado, acabou sofrendo uma espécie de reversão, como aponta um relatório do Banco Mundial divulgado em janeiro.
A estratégia, no entanto, não foi de um fechamento geral: diversos países da Europa, por exemplo, optaram por estender o período de férias; no Reino Unido, filhos de trabalhadores essenciais e crianças em situação de vulnerabilidade podem continuar frequentando a escola presencialmente.
E, mesmo nos países onde foi necessário o fechamento das escolas, nunca foram deixadas de lado as discussões e o planejamento para a retomada. Em Portugal, o governo determinou, no dia 21 de janeiro, o fechamento de escolas e universidades por 15 dias. O governo português já considera que a retomada em fevereiro será 100% remota, mas garantiu que as aulas desse período de 15 dias serão repostas no futuro.
A situação do Brasil, é claro, é bastante diferente dos países da Europa. Pelo menos dois estados, Amazonas e Rondônia, passam por uma situação de colapso no sistema de saúde. Em São Paulo, a disputa em torno da volta às aulas acabou se transformando em uma judicialização que traz ainda mais dúvidas sobre o ano letivo. Uma liminar suspendeu a volta, mas o presidente do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) derrubou a decisão. Os sindicatos que ingressaram com a ação na Justiça, no entanto, ainda prometem recorrer.
O país precisa considerar a possibilidade de passar por diferentes períodos de abertura e fechamento das escolas, como apontou Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial,
em entrevista concedida para o UOL. "Não dá para se dar ao luxo de dizer: 'só volto quando a pandemia não existir mais'", pontuou.
Em lugares com curva muito acentuada, o correto é as escolas não estarem abertas, assim como nenhum outro setor, só os mais essenciais. O que não dá para acontecer é, quando começar a ter um controle da pandemia, outros setores serem abertos e as escolas não."
Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV
Como bem apontou o pesquisador e ex-secretário municipal da Educação de São Paulo Alexandre Schneider, em sua coluna na Folha, é preciso haver diálogo entre os governantes e quem está no chão da escola —seja ouvindo suas necessidades ou investindo no preparo desses docentes para que, nas condições sanitárias em que a retomada seja possível, ela aconteça de forma segura para todos.
Considerando nossa lenta campanha de imunização, pode não ser possível esperar que a vacina chegue para todos para que só então as aulas sejam retomadas. O que pode, de fato, ser feito nesse meio tempo é lutar para que os professores sejam vacinados assim que possível. Seria uma camada de segurança a mais para eles, para as famílias dos alunos e para a sociedade como um todo.
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