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Dia de Nossa Senhora de Fátima: Você conhece a "santa dos segredos"?

Nossa Senhora de Fátima: saiba quem foi a santa dos mistérios - Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images
Nossa Senhora de Fátima: saiba quem foi a santa dos mistérios Imagem: Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images

Matheus Adami

Colaboração para UOL

13/05/2021 04h00Atualizada em 17/05/2022 18h13

Para os católicos, 13 de maio é o Dia de Nossa Senhora de Fátima. A santa é celebrada mundialmente, mas Portugal pode ser considerado como sua "terra natal" —Fátima é o nome da cidade lusitana em que, segundo os devotos, ocorreu sua aparição, há pouco mais de 100 anos.

As ocorrências em Fátima, que fica a cerca de 130 km de Lisboa, ganharam o mundo impulsionadas pelos "segredos" —revelações que teriam sido feitas pela santa para três crianças portuguesas. O teor dos segredos foi guardado por anos.

Mas como explicar de forma racional esse fenômeno? Entenda abaixo:

Nossa Senhora de onde?

Para os católicos pode ser muito fácil entender o conceito de "Nossa Senhora". Para os evangélicos e cristãos de outras denominações, nem tanto.

"Quando dizemos 'Nossa Senhora', acompanhado por um título ou não (Aparecida, Fátima, Guadalupe etc), estamos sempre nos referindo a uma única e mesma pessoa: Maria, a mãe de Jesus. Por se referir à mesma pessoa, não existe um título mais importante que outro. O que se deve destacar é a interpretação que se faz da aparição, ou o motivo da aparição", explica Dayvid da Silva, professor e coordenador do curso de Teologia da PUC-SP.

Logo, Nossa Senhora de Fátima se refere à aparição de Maria, mãe de Jesus, na cidade portuguesa de Fátima.

As aparições e os segredos de Fátima

A história de Nossa Senhora de Fátima começa antes mesmo da primeira aparição propriamente dita, em 13 de maio de 1917, e envolve três pequenos pastores de ovelhas: Lúcia dos Santos e Francisco e Jacinta Marto, que eram irmãos. Eles tinham, à época, 10, 9 e 7 anos, respectivamente.

Em 1916, o trio, que ficaria conhecido como "Pastorinhos de Fátima" teria recebido, em três ocasiões, a aparição de um anjo. O "Anjo da Paz" teria anunciado a eles que Nossa Senhora de Fátima falaria com elas.

A primeira aparição foi em 13 de maio de 1917. O fenômeno se repetiria sempre no dia 13 dos meses seguintes, até outubro, com exceção de agosto, quando correu no dia 19 —as crianças foram presas pelas autoridades da cidade.

Nos encontros, a figura que apareceu ao trio teria se identificado como "Senhora do Rosário" e foi descrita como uma mulher brilhante, envolta em luz. Houve pedidos: que as crianças rezassem muito e que aprendessem a ler.

Na aparição de julho, Nossa Senhora teria, então, revelado ao trio algo que ficou conhecido como "Segredo de Fátima". E aqui a história ganha ares ainda maiores de mistério, já que o conteúdo da mensagem ficou oculto por anos.

Dividido em três partes, o segredo de Fátima teve os dois primeiros "capítulos" revelados em agosto de 1941, em um livro escrito por Lúcia:

  • O primeiro "segredo" teria sido a visão do Inferno;
  • O segundo foi a devoção ao chamado Imaculado Coração de Maria e a conversão da Rússia --que havia acabado de passar por um processo sangrento de derrubada da monarquia e caminhava rumo ao comunismo.

A terceira parte do segredo foi escrita por Lúcia em 1944, mas a revelação pública só aconteceu em 13 de maio de 2000.

"O conteúdo se refere à perseguição sofrida pela Igreja. Em parte da narrativa se diz que o Santo Padre havia atravessado a cidade em ruínas, orando pelas almas dos cadáveres que ia encontrando no caminho, até ser alvejado por tiros de soldados e, junto a ele, vários bispos, sacerdotes e leigos", afirma Silva.

Antes da revelação pública, três papas tiveram acesso ao texto: João 23, Paulo 6º e João Paulo 2º. Este último sobreviveu a um atentado em 1981 na Praça São Pedro, no Vaticano —em um dia 13 de maio.

Na época da publicação, muitos enxergaram na figura do bispo de branco ferido por tiros de soldados o atentado sofrido por João Paulo 2º. De acordo com o coordenador do curso de teologia da PUC-SP, o significado, contudo, pode ser interpretado de outra maneira —algo como "a jgreja dos mártires deste século, que está para findar, representada por meio de uma cena descrita numa linguagem simbólica".

Jacinta e Francisco não sobreviveram para ver, de perto, a proporção que o segredo tomou. Os irmãos faleceram, respectivamente, em 1920 e 1919, após contraírem gripe espanhola. Lúcia, conhecida como Irmã Lúcia, por sua vez, se tornou freira e morreu em 2005, aos 97 anos. Os irmãos foram canonizados pela igreja católica em 2017; o caso de Lúcia está em análise.

Provas e fantasia

Como outras histórias dentro da história da Igreja Católica, é difícil pontuar a veracidade dos fatos.

"Essas crianças não eram as únicas nessa situação. Logo, por que elas? Entra no campo do mistério. Objetivamente, não há como provar, se entra um pouco na questão da fantasia", analisa Eulálio Figueira, professor da PUC-SP do departamento de ciências sociais e doutor em ciência da religião.

"Não estou negando o fenômeno. Mas as crianças vinham de uma família muito pobre. Em maio, já estamos próximos à primavera em Portugal, em que se tem um clima frio mas céu limpo, sem nuvens e com sol forte. Imagine tudo isso aliado à fome e às dificuldades da época", completa Figueira, português de Marinha Grande, cidade localizada a cerca de 35 km de Fátima.

A natureza teve um papel crucial na história da santa em Fátima. Em 13 de outubro de 1917, Nossa Senhora teria feito o chamado Milagre do Sol. "Ela teria pedido às crianças que chamassem todas as pessoas para mostrar um sinal. Então, teria aparecido no céu, em pleno inverno português, um sol de uma forma que não era habitual", conta Figueira.

O contexto de Nossa Senhora de Fátima

Se uma das partes do Segredo de Fátima envolveu a conversão da Rússia, tida como inimiga do mundo ocidental, Portugal, por si só já convivia com muitos problemas. Em 1917, o país era uma república muito recente. A monarquia, cujo último governante foi o rei Manuel 2º, havia sido deposta apenas sete anos antes, em 1910.

Com isso, símbolos do antigo regime, como a Igreja Católica, sofreram perseguição dos republicanos.

"A implantação da república em Portugal foi muito violenta com a igreja. As ordens religiosas foram expulsas, os bens foram confiscados e a igreja teve o bispo de Évora preso. Qualquer manifestação pública religiosa era proibida", cita Figueira.

Como se não bastasse, o mundo assistia à Primeira Guerra Mundial, que só teria fim em novembro de 1918. Portugal lutou ao lado dos Aliados, o lado vencedor do conflito, com mais de 55 mil soldados.

Fátima ganha o mundo

Se a veracidade é questionável e o segredo mais relevante de Fátima ficou guardado por anos, como, então, a santa se tornou tão popular? Para Eulálio Figueira, foi marketing.

"Houve intensa divulgação do fenômeno, em cima dos segredos e também do movimento da aparição. Essa coisa de três crianças, de que criança não mente...É cultural e popular nesse sentido", afirma.

Nos anos 1960, quando Portugal começou a travar guerras com as então colônias de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, a santa ganhou o apego dos soldados. E, a partir do atentado à vida do papa João Paulo 2º, Fátima se tornou ainda mais popular.

Fátima é um centro de turismo religioso. O maior de Portugal, com certeza. Tem quem vá de bicicleta da Bélgica para lá.
Eulálio Figueira, doutor em ciência da religião