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Bacharéis que dirigem Uber respondem a ministro: "Vamos parar de estudar?"

Rodrigo Brum, de 37 anos, é bacharel em direito e trabalha como motorista de Uber para complementar sua renda - Arquivo pessoal
Rodrigo Brum, de 37 anos, é bacharel em direito e trabalha como motorista de Uber para complementar sua renda Imagem: Arquivo pessoal

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

11/08/2021 14h27

Sem a carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e com a necessidade de complementar sua renda, o bacharel em direito Rodrigo Brum, 37, encontrou no trabalho como motorista de aplicativo um caminho para pagar suas contas.

Nesta semana, Rodrigo espantou-se com uma fala do ministro da Educação, Milton Ribeiro que disse haver "muitos engenheiros e advogados dirigindo Uber, porque não conseguem colocação devida". Ele defendeu menor acesso às universidades em detrimento dos institutos federais de ensino técnico.

"Universidade, na verdade, ela deveria ser para poucos nesse sentido de ser útil à sociedade", afirmou o ministro em entrevista ao programa Sem Censura.

Se formos seguir o que ele falou, então vamos parar de estudar ou estudar apenas o suficiente para trabalhar? Isso não existe e é frustrante. O ministro vai falar para seu filho fazer tecnólogo e não estudar o que realmente gostaria? Acredito que não."
Rodrigo Brum, bacharel em direito e motorista de aplicativo

Formado em Direito pelo Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), Rodrigo Brum sofreu um acidente de carro precisou amputar sua perna. Com isso, o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) o aposentou com uma renda de R$ 1.400. Trabalhar como motorista foi a oportunidade que encontrou.

"É muito difícil ser recém-formado e conseguir pegar causa e já receber, leva tempo", conta ele, que avalia haver poucos programas ou políticas de incentivo aos egressos das universidades.

A conclusão do curso de Direito, diz, é uma vitória, algo que o ministro não deveria "desestimular". "A gente não pode colocar a culpa da crise econômica na formação. O problema não é a nossa formação, mas a crise, a falta de oportunidades."

Segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 2019, 21,3% dos brasileiros de 25 a 34 anos tinham ensino superior completo. A média dos países que fazem parte da OCDE é de 45%.

"As empresas não querem pagar um salário digno, não querem te valorizar. Então fiquei desempregada, fazendo esses trabalhos avulsos, como PJ [Pessoa Jurídica]", explica Soraia Rodrigues, 47. Advogada há mais de 10 anos, a motorista de aplicativo se disse ofendida com a fala de Ribeiro.

A pessoa que vai fazer faculdade de 5 anos não está brincando. Estamos buscando uma melhoria de vida, uma evolução profissional."
Soraia Rodrigues, advogada e motorista de aplicativo

Desde 2009, Soraia conta que trabalha na área do Direito, mas com o tempo as oportunidades foram diminuindo e surgindo apenas vagas de freelancer. Quando conheceu o aplicativo de carros acreditou que poderia ter um trabalho mais fixo e dar conta das consultorias que oferece para empresas.

Para Soraia, "faltou bom senso" ao ministro. "Ele deveria usar seu tempo para trabalhar em projetos e melhorias para nosso ensino. Rever a qualidade do que é oferecido nas instituições", sugeriu.

'Estou Uber, não sou'

Formado em direito desde dezembro do ano passado, o motorista da Uber Gustavo Monteiro, 29, prefere não dizer que é, mas sim está nessa função.

Não é demérito nenhum trabalhar com o aplicativo, mas estudamos para evoluir profissionalmente. O foco é que esta é uma fase em que estou me organizando e capacitando cada vez mais."
Gustavo Monteiro, formado em Direito e motorista de aplicativo.

Gustavo Monteiro se formou em Direito e trabalha como motorista de Uber há dois anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gustavo Monteiro se formou em Direito e trabalha como motorista de Uber há dois anos
Imagem: Arquivo pessoal

Durante o período da faculdade, ele conseguiu um emprego para estagiar no TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), mas como a bolsa auxílio era baixa, não aceitou. "Tenho dois filhos e isso atrapalha até hoje minha recolocação, porque não têm pagado bem."

Para ele, o ministro da Educação "talvez não tenha se expressado direito", mas Gustavo concorda que falta investimento por parte do governo para geração de emprego e também cursos técnicos e do ensino superior em geral.

Com a possibilidade passar na segunda fase do exame da OAB, Gustavo pretende fazer uma especialização para se capacitar melhor e conseguir novas oportunidades de emprego.

"Como não tive uma experiência em escritório, sei que vai ser difícil, mas o interessante para mim seria entrar, mesmo que seja como estagiário", complementa.