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Jovem que trabalhava como gari conquista diploma em direito em MT

Kettly, de 25 anos, trabalhava como gari enquanto estudava  - Arquivo pessoal
Kettly, de 25 anos, trabalhava como gari enquanto estudava Imagem: Arquivo pessoal

Heloísa Barrense

Do UOL, em São Paulo

18/08/2021 11h26Atualizada em 18/08/2021 16h19

Ketlly Cristina da Silva, de 25 anos, realizou o sonho de receber o diploma da faculdade de direito em Várzea Grande, região Metropolitana de Cuiabá, enquanto trabalhava como gari na cidade. A estudante cumpria o ofício pela manhã e comparecia às aulas à noite, percorrendo cerca de 11 km de bicicleta entre a casa e a instituição.

"Eu já fazia faculdade de direito e então fiz o concurso para a gari porque eu era vigia e ficava uma ameaça de ser mandada embora a qualquer momento. Eu tinha esse sonho de ser concursada e assim que saiu o edital para gari eu me inscrevi. Eu pensava que não ia ficar ali para sempre, mas para acontecer os demais passos eu precisava disso", explicou a jovem ao UOL.

A mudança de trabalho aconteceu quando Kettly já estava no segundo ano da faculdade, concluída com o auxílio do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil). "Era cansativo porque para ser gari tem que ter um trabalho braçal, debaixo de sol quente. Muita vezes você quer ir ao banheiro e nem todo lugar pode. E aí eu trabalhava durante o dia, voltava para casa, tomava banho e já ia para a faculdade. Voltava entre meia-noite e uma hora da manhã e já retomava a rotina no outro dia", explica.

Kettly percorria cerca de 5,5 km de bicicleta para chegar até a instituição. Nos dias de chuva, entretanto, dependia do ônibus. A persistência para conquistar o diploma, por sua vez, tinha uma história por trás.

"Meu pai faleceu quando eu tinha três anos de idade, dentro do presídio. A minha mãe criou eu e meus irmãos sozinha. Mas ela poderia ter tido o respaldo do Estado, porque ele morreu na penitenciária, o Estado era responsável pela vida dele. Por ela não saber disso, a gente ficou perecendo. Ela fazia trabalhos domésticos com R$ 5 ou R$ 10 de diária e foi uma das coisas que me criou revolta. Eu falei que eu precisava estudar, para não deixar passar os nossos direitos", conta.

O meu objetivo era esse: estender as mãos para quem não tem acesso à Justiça."

Sendo a filha do meio de três irmãos, Kettly foi a primeira da família a se formar em uma universidade e, com o diploma em mãos, já está orientando as pessoas próximas a garantir os seus direitos "As pessoas chegam falando sobre o benefício que foi cortado, ou a aposentadoria que precisa, e eu as acalmo, indico os caminhos. Fico feliz de poder ajudar", diz.

Agora, Kettly é mãe de uma criança de 9 meses e continua recebendo o apoio dos familiares para continuar a sua trajetória. "Foi uma vitória muito grande, minha mãe ficou emocionada. Ela foi uma das maiores incentivadoras. Ela parou na quinta série e ela sempre me falava que se eu estudasse eu poderia crescer. Então todos ficaram muito felizes e qualquer coisa que eu preciso eles me ajudam a resolver."

Com a prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) marcada para outubro, Kettly diz que não pretende parar por aí. "Meu sonho mesmo era passar no concurso de um órgão público, como o Ministério Público, Defensoria ou Procuradoria", diz.

A jovem afirma que já recebeu alguns convites para trabalhar em escritórios de advocacia, mas acabou sendo nomeada em Várzea Grande para a procuradoria da cidade. "Eu vou aproveitar a oportunidade para experiência. Eu fiquei muito feliz, muito emocionada. Não estou acreditando até agora", finaliza.