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'Tive crise de pânico e ansiedade': cortes desesperam cientistas bolsistas

Olga Zunino é estudante de doutorado e depende da bolsa para pagar aluguel - Arquivo pessoal
Olga Zunino é estudante de doutorado e depende da bolsa para pagar aluguel Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Marques

Do UOL, em São Paulo

07/12/2022 12h52

A perspectiva de não receber os pagamentos em dezembro prejudica, mais uma vez, a saúde mental de estudantes de mestrado e doutorado que dependem da bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para sobreviver.

Sem dinheiro para pagar as contas de aluguel e internet nem comprar remédios, estudantes contam que têm sofrido, na última semana, crises de pânico e de ansiedade. A incerteza sobre o pagamento neste mês é mais um revés para os alunos, que já lidam com bolsas sem reajuste há quase uma década e falta incentivo para a pesquisa.

"Desde ontem, tive ataques de pânico e crise de ansiedade. A bolsa é minha única fonte de renda", conta Olga Zunino, de 24 anos, aluna de doutorado pela Capes na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Estudantes de doutorado, como Olga, recebem R$ 2,2 mil por mês —e têm de se dedicar exclusivamente à pós-graduação, não podem trabalhar fora.

A Capes é uma das principais fontes de pagamentos de bolsas a mestrandos e doutorandos brasileiros. Na noite de terça-feira, o órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC) informou que não terá recursos para pagar as mais de 200 mil bolsas destinadas a esses estudantes. Os depósitos deveriam ser feitos até esta quarta-feira, 7.

A notícia caiu como uma bomba para os estudantes. "A gente não consegue pesquisar. Ontem fiquei o dia inteiro com vontade de chorar, sem querer sair da cama porque a sensação é de que o meu trabalho é inútil, de que as pessoas não se importam. Isso mexe com a nossa autoestima."

Olga mora com a mãe e o irmão, com quem divide todas as contas. O aluguel da família vence nesta quarta. "Terei de usar minhas economias para não me endividar", diz ela, que pesquisa inovação e tecnologia. "Dependo dessa bolsa para me sustentar, para pagar meu transporte, pagar meu plano de saúde, as contas da casa."

A proximidade com o Natal deixa a situação ainda mais dramática para quem depende dos auxílios. "Isso que está sendo feito é crueldade. Muitos de nós terão suas geladeiras vazias e árvores de Natal sem presentes. Isso destrói a gente por dentro. É como se fôssemos párias, não fôssemos seres humanos", afirma Olga.

Fico muito emocionada com isso porque foi um ano difícil, pós-pandemia. Vemos o governo falando que é a favor da família. E a família dos pesquisadores? E os filhos de pesquisadores que vão passar o Natal com a geladeira vazia?
Olga Zunino

Para a estudante Milena Monteiro, de 23 anos, o atraso na bolsa da Capes já causa prejuízos à saúde. Ela tem autismo de grau dois e, no ano passado, abriu mão de uma pensão do governo para fazer um mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com bolsa de R$ 1,5 mil da Capes. Ela não poderia acumular dois auxílios.

Milena Monteiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Milena Monteiro, bolsista da Capes, não tem dinheiro para comprar remédios para o autismo
Imagem: Arquivo pessoal

"A bolsa costumava cair no dia 2 e desde então comecei a ficar preocupada, a abrir o aplicativo da Capes toda hora, com ansiedade. Resolvi esperar até o 5º dia útil, que era o prazo máximo (nesta quarta-feira, dia 7) e nada", diz a jovem, que mora com a mãe, motorista de aplicativo.

"Meu aluguel já venceu e estou sem poder comprar remédios", completa Milena, que toma cerca de 20 medicamentos — entre eles, alguns que a ajudam a lidar com a sobrecarga sensorial do autismo. Milena já está sem parte dos comprimidos. "Não consigo levantar porque minha cabeça fica girando, dá sensação de mal-estar."

Sem condições emocionais de ficar sem companhia — a mãe dela passa o dia todo fora — Milena teve até de buscar refúgio na casa de um parente. "Estou tão afetada psicologicamente que não posso ficar sozinha."

O prejuízo à saúde mental, segundo ela, não vem de agora. O ingresso no mestrado, em meio à pandemia, já foi difícil. Neste ano, em outubro, as notícias de que poderia haver cortes fizeram crescer as incertezas sobre a carreira de pesquisadora.

"Vem todo o arrependimento. É muito difícil de seguir, a gente fica deprimido, repensando tudo." Ela sempre quis ser cientista, desde a graduação. Na UFRJ, faz parte do programa de pós-graduação em lógica e metafísica.

Agora, não sabe se vai seguir com os estudos. "Penso em desistir porque não tem valorização do que a gente faz, da pesquisa. Ganhamos muito pouco, sem nenhum benefício."

Entenda o problema

Capes - Capes/Divulgação - Capes/Divulgação
Capes é responsável pelos pagamentos de bolsistas de mestrado e doutorado
Imagem: Capes/Divulgação
  • Sem verba. A Capes divulgou que não terá recursos para pagar as mais de 200 mil bolsas destinadas a estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
  • Quando? As bolsas deveriam ser pagas até esta quarta-feira, 7. Agora, há incerteza sobre a data do pagamento ou se ele ocorrerá em dezembro.
  • Motivo. O órgão vinculado ao MEC citou os bloqueios impostos pelo Ministério da Economia e o decreto que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro.
  • Funcionamento prejudicado. A Capes também afirma que será impossível assegurar a regularidade do funcionamento institucional e que a falta de verba impede "tratamento digno à ciência e a seus pesquisadores".
  • Solução. A Capes diz ter cobrado a imediata desobstrução dos recursos financeiros.
  • Teto de gastos. Por meio de nota, o Ministério da Economia informou que a execução orçamentária e financeira "tem sido desafiadora neste fim de ano e que bloqueios tiveram de ser realizados para o cumprimento do teto de gastos". Afirmou, ainda, que uma portaria nesta terça viabilizou aumento em R$ 300 milhões dos limites de pagamentos do MEC.