Caso da filha de Samara expõe abismo no combate ao racismo em escolas
Do UOL, em São Paulo
30/04/2024 04h00Atualizada em 30/04/2024 10h20
Palestras sobre a cultura afro, oficinas com mais pluralidade e bolsas para alunos negros são algumas das medidas adotadas por colégios particulares para combater o racismo e ampliar a diversidade. Ainda assim, na prática, casos como o da filha de 14 anos da atriz Samara Felippo, que sofreu ofensas de cunho racista na última semana, seguem acontecendo em salas de aula.
O que aconteceu
Experiências antirracistas não evitam que casos racistas aconteçam em escolas, diz Thales Vieira, codiretor executivo do Observatório da Branquitude. Segundo o doutorando em sociologia, o combate ao racismo envolve diversos fatores para além do que é discutido na escola —isso não significa que as medidas não são necessárias, mas que precisam ser fortalecidas sempre.
Colégio Vera Cruz, onde a filha da atriz sofreu racismo, diz ter desenvolvido uma série de medidas antirracistas no ano passado. Em um relatório, o colégio cita o programa de bolsas — em 2023, eram 44 bolsistas. Ao todo, a escola tem 7% de alunos negros ou indígenas.
Escolas precisam cumprir lei de 2003 que obriga oferta do ensino da cultura afro, afirmam especialistas ouvidos pelo UOL. "A escola precisa promover tudo isso de forma ativa e intencional. Vou convidar um profissional da medicina? Por que não chamar um médico negro?", questiona a advogada Evie Barreto, uma das fundadoras da comissão antirracista do colégio Equipe.
Objetivo da legislação é que o ensino afro seja oferecido em todo o ano escolar. Se o tema é usado como "mera adereço festivo", o combate ao racismo fica distante no ambiente escolar, afirma Adriana Moreira, coordenadora de equidade racial e educação da Uneafro.
No caso da filha da atriz, Samara afirma que a adolescente já era excluída na escola. "Essas agressões eram sutis, coisa de dia a dia, acusação de alguma coisa, fofoca com o nome dela em outra, exclusão de um grupo, brincadeirinhas de ela chegar em um grupo e elas saírem correndo", relatou a atriz.
Colégios devem entender que caso não é isolado. "As agressões racistas ganham espaço na medida em que nenhuma atitude é tomada", afirma Adriana. Para ela, as escolas também erram quando não constroem um clima seguro para estudantes negros.
Responsabilidade pela educação antirracista não é só da escola. "A gente compartilha a educação com a família. É uma corresponsabilidade com os pais e com a sociedade. E é educando que essas práticas serão mudadas socialmente", afirma Luciana Fevorini, diretora do colégio Equipe.
Os alunos precisam também de exemplos positivos. A força da imagem se sobrepõe à palavra. Com quem seu filho convive de forma igualitária? Ele convive com pessoas negras de forma igualitária ou só quando pessoas negras estão em uma posição social inferior a ele?
Thales Vieira, do Observatório da Branquitude
Protocolos em escolas
Escolas devem produzir protocolos com normas internas antirracistas. Esse material, segundo os especialistas, deve ser usado para evitar que violências raciais e de outros tipos aconteçam, mas também deve servir de balizador caso algo ocorra — prevendo responsabilidades para o autor da agressão.
"O protocolo traz igualdade no tratamento tanto para quem cometeu essa violência como para a vítima", afirma Evie. É um documento como esse que vai dar garantia, segundo a advogada, de que um aluno vítima de racismo seja de fato acolhido. Os especialistas afirmam que os protocolos devem ser feitos com a comunidade escolar.
Não há um consenso sobre a expulsão de agressores em casos como o da filha da atriz. "É violento que a vítima tenha que conviver com seus algozes, mas, por outro lado, a escola é um espaço de educar. Quando a escola expulsa um aluno, ela declara que falhou no processo educacional e individualiza um problema que não é isolado", explica Thales.
A produção de protocolos mínimos institucionais para constituição de climas escolares antirracistas, reguladores tanto do sistema público como do sistema privado, poderiam ser uma ação consistente.
Adriana Moreira, coordenadora de equidade racial e educação da Uneafro
Em nota, a Escola Vera Cruz disse que ter tomado conhecimento de uma "grave agressão racista" entre alunos do 9º ano. O colégio afirma ter reconhecido o "ato violento de racismo" e ter "acolhido a aluna e sua família".
A instituição suspendeu as alunas por "tempo indeterminado", e elas perderam o direito de ir a um passeio. "Novas sanções poderão ser adotadas, conforme apuração e reflexão sobre os fatos. É importante sublinhar que as alunas não reincidiram em agressões racistas; a escola não tem conhecimento de qualquer outra atitude racista de ambas as alunas".