Antes da geladeira, por que colocavam sapos no leite? Entenda método antigo


Colaboração para o UOL, em São Paulo
14/04/2025 14h11
Antes da invenção e popularização das geladeiras, moradores de algumas regiões da Rússia e Finlândia utilizavam um método inusitado para conservar o leite fresco: colocavam sapos vivos dentro de baldes de leite.
O que aconteceu
Prática foi passada de geração em geração sem uma explicação clara. Até que, em 2010, cientistas dos Emirados Árabes resolveram investigar o mistério por trás desse costume ancestral.
Pele dos sapos produz secreções ricas em peptídeos antimicrobianos. Os pesquisadores descobriram que essas substâncias são capazes de inibir o crescimento de bactérias.
Sapos funcionavam como conservantes naturais. Ajudavam a retardar a deterioração do leite, prevenindo que ele azedasse rapidamente, sobretudo em épocas quentes ou em locais sem refrigeração.
Substâncias podem ser chave para combater "superbugs", bactérias resistentes a antibióticos. Michael Conlon, bioquímico da Universidade dos Emirados Árabes Unidos, lider de uma equipe responsável pela análise de secreções de pele de milhares de sapos ao redor do mundo, revelou que alguns deles se mostraram eficazes contra microrganismos altamente resistentes, como a superbactéria conhecida como Iraqibacter.
Esses animais existem há 300 milhões de anos e evoluíram defesas extremamente eficazes contra patógenos presentes em ambientes poluídos. Essas secreções naturais têm grande potencial para a criação de uma nova geração de antibióticos Michael Conlon
Cientistas tiveram desafio de modificar esses compostos. Eles tornaram as substâncias seguras para uso humano, menos tóxicas e mais resistentes à ação do sangue.
Prática não é recomendada
Prática de colocar sapos em baldes de leite não é recomendada atualmente. Os anfíbios possuem substâncias tóxicas prejudiciais ao organismo humano.
Sapos estão entre as espécies mais ameaçadas de extinção no planeta. "A pesquisa também é importante porque ressalta a importância da preservação da biodiversidade. Algumas espécies de sapos, incluindo aquelas que podem conter substâncias medicinais potencialmente valiosas, estão ameaçadas em todo o mundo devido à perda de habitat, poluição da água e outros problemas", destacou Conlon.
Os sapos são usados somente para obter a estrutura química do antibiótico e então reproduzi-la em laboratório. Tomamos muito cuidado para não prejudicar essas criaturas delicadas e devolvê-las à vida selvagem após esfregar a pele para obter as secreções preciosas Michael Conlon
Pesquisas do Brasil
Em 2017, a bióloga Ananda Brito de Assis realizou estudos com microbiota da pele dos sapos. Ela avaliou animais provenientes da Mata Atlântica e destacou que essa área ainda é recente.
A primeira menção na literatura sobre a possível existência de bactérias na pele de anfíbios se deu no ano de 1986, mas a maioria dos artigos foi publicada nos últimos 17 anos. Neste momento ainda sabemos pouco e é preciso mais pesquisa, pois muitas questões ecológicas e fisiológicas poderão ser sanadas com o estudo desse sistema, além de ter um grande potencial biotecnológico e para estratégias de conservação Ananda Brito, bióloga, ao Jornal da USP