Paralisação nacional na educação: oito polêmicas de Bolsonaro no setor
Estudantes farão nesta quarta-feira protesto nacional contra cortes em universidades e institutos federais; relembre principais debates em torno de políticas anunciadas pelo MEC.
A mobilização de estudantes em dezenas de cidades do Brasil, marcada para esta quarta-feira (15/5), deve voltar a lançar luz sobre o Ministério da Educação (MEC), uma das pastas mais sensíveis do governo de Jair Bolsonaro (PSL).
A União Nacional dos Estudantes (UNE) convocou o protesto em resposta aos cortes orçamentários realizados em universidades e institutos federais, e anunciou a realização de assembleias e atos "em salas de aula de todo o país".
Centrais sindicais também protestarão, na mesma data, contra o projeto do governo de reforma da Previdência.
Estão previstos atos em 13 capitais e em dezenas de outras cidades. Embora o alvo principal dos protestos seja a redução do orçamento disponível para as instituições federais de ensino, o Ministério da Educação tem sido foco de polêmicas desde o início do governo, em janeiro. Veja as principais delas:
1 - Menos investimentos em ciências humanas
As principais polêmicas estão centradas na educação superior, particularmente nas universidades federais.
Em uma de suas primeiras manifestações sobre o tema, em um vídeo no Facebook em abril, o ministro da Educação, Abraham Weitraub, falou em reduzir investimentos nos cursos universitários públicos de ciências humanas, citando como exemplo o Japão.
"O país, muito mais rico que o Brasil, está tirando dinheiro público das faculdades tidas como para pessoas que já são muito ricas, ou de elite, como Filosofia. (...) Esse dinheiro que iria para faculdades como Filosofia, Sociologia se coloca em faculdades que geram retorno de fato: Enfermagem, Veterinária, Engenharia, Medicina", afirmou.
Bolsonaro também defendeu a ideia. Pelo Twitter, declarou que "a função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta".
No entanto, logo veio à tona a informação de que o Japão estaria voltando atrás na medida. Reportagem de O Globo, por exemplo, informou que o país está retomando os investimentos nas ciências humanas, com foco sobretudo em como a tecnologia, as mudanças climáticas e a inteligência artificial impactarão a vida das pessoas.
Um grupo de entidades de ciências humanas emitiu nota afirmando que Bolsonaro e Weintraub "exibem uma visão tacanha de formação ao supor que enfermeiros, médicos veterinários, engenheiros e médicos não tenham de aprender sobre seu próprio contexto social nem sobre ética, por exemplo, para tomar decisões adequadas e moralmente justificadas em seu campo de atuação".
Além disso, reportagem da BBC News Brasil mostrou que esses cursos são os que concentram a maior diversidade racial, tanto em universidades públicas quanto privadas.
2 - Punir 'balbúrdia' das universidades federais
No fim do mês de abril, Weintraub afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o MEC cortaria os recursos de universidades que não tivessem desempenho acadêmico satisfatório e promovessem "balbúrdia" nos campi, começando por Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O ministro criticou universidades que, segundo ele, têm permitido "bagunça e eventos ridículos", referindo-se a supostas manifestações políticas e festas - Weintraub falou sobre "sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus", sem especificar onde ou quando tais situações teriam ocorrido.
3 - Corte orçamentário em todas as federais
Diante da repercussão negativa do corte do orçamento para universidades específicas, Weintraub explicou que a redução afetaria todas as universidades federais, inicialmente anunciado como 30% dos valores totais e, depois, 30% de seus orçamentos discricionários (ou seja, de gastos não obrigatórios).
Em nota, o MEC afirmou que o bloqueio "atingiu apenas 3,4% do orçamento total das federais", totalizando cerca de R$ 1,6 bilhão. Houve bloqueios bilionários também nas outras áreas da educação que Bolsonaro havia definido como prioritárias, como a básica e a infantil.
Com a redução dos recursos, as universidades passaram a anunciar cortes em auxílios-moradia ou alimentação e em pesquisas de campo; algumas disseram estar sem dinheiro para pagar contas de água, energia elétrica ou de fornecedores, como os de limpeza e segurança. Também disseram não saber se poderão funcionar plenamente no segundo semestre de 2019.
A UFRJ, por exemplo, afirmou que já opera em déficit de R$ 170 milhões por conta de cortes prévios e que "a não reversão da medida (cortes) trará graves consequências para o desempenho das atividades da universidade, comprometendo a rotina de atividades acadêmicas antes do segundo semestre".
Em vídeo no Facebook, ao lado de Bolsonaro, Weintraub afirmou que não são cortes, mas contingenciamento de recursos. "É segurar um pouco os gastos, (...) em todos os ministérios."
Disse que algumas universidades chegam a ter orçamento de R$ 1 bilhão (na verdade, porém, o orçamento previsto para a UFRJ, a maior universidade federal do Brasil, era originalmente de cerca um terço desse valor) e espalhou chocolates sobre a mesa. "A gente está pedindo simplesmente que três chocolatinhos e meio de cem (não sejam gastos). Não está cortando. Deixa para comer depois de setembro (após a aprovação da reforma da Previdência)", declarou.
4 - Cortes de bolsas da Capes
Na semana seguinte ao anúncio da contenção de gastos nas universidades, o governo divulgou a suspensão da concessão de bolsas de mestrado e doutorado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que seriam destinadas a estudantes cujos trabalhos estavam em processo de avaliação.
O congelamento atingia 4.798 bolsas que não estavam sendo utilizadas no mês de abril, como parte da contenção de gastos federais.
A medida gerou nova reação da comunidade acadêmica, que se queixou do impacto na produção científica do país.
Pouco depois, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) - autarquia do MEC - divulgou nota afirmando que "todos os estudantes e pesquisadores que têm bolsa da Capes em vigor terão seu auxílio mantido" e que o congelamento de bolsas ociosas representa só 1,75% do total de 200 mil benefícios destinados à pós-graduação e formação de docentes.
O órgão também afirmou que 1,2 mil bolsas ociosas de programas com alta avaliação serão reabertas, e que outros 100 auxílios serão reabertos para doutorandos que estão no exterior consigam concluir suas pesquisas ao voltar ao Brasil.
Com isso, o número de benefícios bloqueados cairia para cerca de 3,5 mil. Anderson Correia, presidente da Capes, afirmou que o bloqueio ocorreu "para conseguirmos fazer um diagnóstico da situação para fazer ajustes pontuais".
5 - Varrer 'ideologia' no Enem
Em um de seus vídeos no Facebook, Weintraub deu uma "dica" a prestadores do Enem, o exame nacional do ensino médio: "questões muito ideológicas, muito polêmicas, como no passado, não vão acontecer neste ano. Minha sugestão: foquem mais na técnica de escrever, interpretação de texto, matemática, ciências".
A fala trouxe de volta ao debate outro projeto de Bolsonaro, que em março criou uma comissão para fazer "avaliação ideológica" das perguntas feitas no Enem.
A comissão foi criada em portaria, que não estipula os critérios para a avaliação das questões - apenas determina que seja feita "uma leitura transversal dos itens (perguntas) disponíveis" para a prova, com o objetivo de "verificar a sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do exame".
Em novembro do ano passado, dias depois de ser eleito, Bolsonaro usou as redes sociais para criticar uma questão do exame que mostrava termos usados pela comunidade LGBT. A pergunta questionava quais são as características técnicas para que uma linguagem fosse considerada um dialeto.
"Este tema da linguagem particular daquelas pessoas, o que temos a ver com isso, meu Deus do céu? Quando a gente vai ver a tradução daquelas palavras, um absurdo. Vai obrigar a molecada a se interessar por isso agora para o Enem do ano que vem?"
Algumas associações, porém, manifestaram preocupação com o governo "contrariar qualquer perspectiva de pensamento crítico" no Enem e de potencialmente colocar em risco a segurança do exame.
O Ministério Público Federal pediu duas vezes esclarecimento ao Inep (órgão do MEC responsável pelo Enem) para saber como tem funcionado a comissão de fiscalização.
6 - Punir alunos agressores
Mais além da educação superior, uma das primeiras entrevistas de Weintraub como ministro, ao Estado de S. Paulo, gerou polêmica por ele defender que, para coibir agressões de alunos a professores em sala de aula, é preciso "chamar a polícia, os pais vão ser processados e, no limite, tem que tirar o Bolsa Família dos pais e até a tutela do filho".
Especialistas vieram a público dizer que isso contraria princípios de proteção à infância do Estatuto da Criança e do Adolescente e as próprias regras do Bolsa Família, que estipula como pré-requisito apenas que as crianças da família beneficiada estejam matriculadas e frequentando a escola.
7 - Filmar alunos cantando hino
As polêmicas no MEC precedem Weintraub. Seu antecessor no cargo, Ricardo Vélez Rodríguez, tomou como uma de suas primeiras medidas enviar um e-mail a escolas do país pedindo que alunos fossem filmados cantando o Hino Nacional.
A carta gerou críticas por conter o slogan de campanha de Bolsonaro - "Brasil acima de tudo e Deus acima de todos" - e por pedir a escolas que produzissem imagens dos alunos sem a autorização dos pais.
Pouco depois, Vélez voltou atrás, dizendo que os trechos polêmicos do pedido foram "tirados de circulação".
Mais tarde, o MEC afirmou que mandaria novo e-mail às escolas, pedindo que a mensagem de Vélez fosse lida a alunos perfilados diante da bandeira brasileira, mas que apenas escolas que quisessem poderiam, voluntariamente, gravar os estudantes, com autorização dos responsáveis.
8 - Mudar livros didáticos
Em entrevista ao jornal Valor no início de abril, Vélez afirmou que haveria "mudanças progressivas" em livros didáticos para que as crianças "possam ter a ideia verídica, real" da história, em referência à forma como o golpe militar de 1964 e a ditadura são ensinados nas escolas.
Mas Vélez não permaneceria muito no cargo: pressionado por conta das polêmicas, dos desgastes e pelo que críticos diziam ser uma "paralisia" no MEC, ele teve sua demissão anunciada por Bolsonaro em 8 de abril, sendo substituído por Weintraub.
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