Topo

A escola pública dominou a Unicamp?

Guilherme Perez Cabral

22/02/2016 06h00

A notícia foi destaque na última semana: mais da metade dos candidatos aprovados no vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – modelo de ensino superior de qualidade – cursaram o ensino médio integralmente em escola pública. Entre esses alunos, 43% se declaram pretos, pardos ou indígenas. No superconcorrido curso de medicina, o percentual de egressos da rede pública chegou a 88%.

Os números impressionam. Afinal, contrastam com o que vemos e vivemos quando falamos de educação, no Brasil. A educação básica ofertada pelos Estados e Municípios é, no geral, precária. E nela estão em torno de 80% dos alunos. Quanto às boas universidades públicas não são para todos: são ocupadas, predominantemente, por estudantes provenientes de escolas privadas (muito melhores).

É a nossa meritocracia: crianças e adolescentes ricos estudam na rede privada e, nela, treinados por profissionais mais qualificados e bem remunerados, tendo acesso a todo o tipo de facilidades, preparam-se para ingressar nas universidades públicas e gratuitas. Estudantes pobres, sem acesso aos direitos mais fundamentais (falo de saneamento básico, moradia, transporte, saúde, etc.), se viram como podem, em escolas públicas ruins. A concorrência é desleal.

Por isso, mais do que simplesmente comemorado, o caso tem que ser estudado. Afinal, quais os motivos para esse desempenho fantástico de egressos da escola pública?

Infelizmente, a mudança súbita nos números não se deve a consistentes políticas educacionais e à melhoria do ensino prestado pelos Estados e municípios.

A Unicamp creditou o “domínio” da escola pública, em seu vestibular, ao Programa de Ações Afirmativas e Inclusão Social (Paais). Assegurou bonificação, em pontos, aos estudantes egressos do ensino público e aos autodeclarados negros, pardos e indígenas.

A medida é fundamental. Afinal, a educação é mais um daqueles direitos preciosos e urgentes demais, para esperar a ação daqueles (políticos e seus eleitores) que não os priorizam. A medida, nesse sentido, é precisa, enquanto a igualdade de condições para o acesso ao ensino superior não vem, junto com a superação de tantas dívidas históricas com os grupos marginalizados e a efetivação dos direitos fundamentais de todos.

Atende, assim, gente muito competente, inteligente, mas que não tem herança nem a benevolência dos afortunados. Gente esforçada, apesar de tudo e de todos, que, não raro, arruma a mesa da turma da escola privada. Gente, enfim, que se ferrou muito, esperando uma oportunidade. A expectativa é a de que eles nos contem, cada vez mais, histórias vencedoras.

Mas tenhamos calma. Não criemos muita expectativa com esse número. Ele não permite a crença ingênua de que nossos problemas educacionais gravíssimos (e suas causas) estão sendo resolvidos.

Não estão. A “bonificação” não melhora a educação básica. A escola pública continua ruim. A exclusão social ainda é a nossa realidade. A vida continua muito difícil para o estudante pobre, preto, pardo e indígena.

Não acreditem se ouvirem a propaganda enganosa de que todos têm iguais oportunidades educacionais. O engodo de que, esforçando-se, qualquer pessoa chega lá. Que se não deu certo é porque você – pobre e trabalhador, que mora longe, pega quatro ônibus por dia, recebe salário mínimo e estuda numa escola em condições precárias – não se esforçou o suficiente. Essa ainda é uma grande mentira do capitalismo.