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Fogo na mata

17.out.2014 - Moradores e bombeiros tentam apagar incêndio com água de caixas d"água, que atinge floresta próxima a casas do bairro de Alto do Pegado, no distrito de Pedro do Rio, em Petrópolis (RJ) - Bruno Kelly/Folhapress
17.out.2014 - Moradores e bombeiros tentam apagar incêndio com água de caixas d'água, que atinge floresta próxima a casas do bairro de Alto do Pegado, no distrito de Pedro do Rio, em Petrópolis (RJ) Imagem: Bruno Kelly/Folhapress

Lucila Cano

07/11/2014 13h13

Muitos dizem que o gosto do brasileiro pelas queimadas é herança dos índios. Pode ser, mas nunca soube de florestas arrasadas pelas fogueiras nativas. O mesmo não ocorre na atualidade. Ano após ano, a ação criminosa de incêndios e queimadas se intensifica e, pasmem, não apenas para abrir clareiras para a agricultura e a pastagem de animais.

A urbanização descontrolada é uma das principais causas das invasões de áreas de preservação ambiental. Ao lixo que contamina e sufoca as nascentes de água dessas regiões somam-se os incêndios intencionais que exterminam as matas ciliares. O objetivo insano de quem não sabe o que faz é marcar território, reivindicar o uso da terra. Terra essa que, infértil pelos descalabros, poucos podem usar.

O WWF Brasil tem explicação singela para as matas ciliares: Como os cílios que protegem nossos olhos, as matas ciliares são florestas e outros tipos de cobertura vegetal nativa que ficam às margens de rios, igarapés, lagos, olhos d’água e represas e garantem a umidade do solo.

Para a população da região Sudeste, que enfrenta a escassez de água e está cada vez mais familiarizada com termos como “volume morto”, fica fácil entender que o verde às margens dos caminhos de água não é meramente decorativo. Suas raízes seguram água abaixo da terra.

Mais de 140 mil focos de incêndio

Todo ano, no período de seca, os incêndios florestais viram manchete. A diferença está na crescente intensidade dos danos. Segundo o Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a quantidade de queimadas no país aumentou 70% entre 1º de janeiro e 16 de outubro deste ano em relação ao mesmo período de 2013.

Os incêndios foram mais frequentes em Mato Grosso, Pará e Maranhão, em claro sinal do avanço da agropecuária na Amazônia Legal. Mas também queimaram parques nacionais, como o da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro e o da Serra da Canastra, em Minas Gerais; a Serra de Carrancas, também em Minas; a Serra da Cantareira, em São Paulo.

Até meados de outubro, foram mais de 140 mil focos de incêndio no país, destruindo a flora, a fauna e até vidas humanas. Duas pessoas morreram na tentativa de apagar o fogo na Serra de Carrancas. A dois meses do final do ano, é como se tivéssemos cerca de 400 incêndios por dia no país, independentemente das proporções.

A ignorância queima e mata

Em julho de 2001, um incêndio no Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro, destruiu uma área de 600 hectares. Dois jovens que excursionavam pelo parque se perderam do seu grupo e, para chamar a atenção, improvisaram uma fogueira na mata. Para fazer o fogo, usaram os folhetos de orientação aos turistas que receberam para preservação do local. O vento cuidou do resto e espalhou as chamas que só foram contidas uma semana depois, por obra do Corpo de Bombeiros e por graça de uma boa chuva.

Esse não foi o último, nem o maior incêndio que Itatiaia sofreu. No entanto, deixou marcas. Além da vegetação, vitimou os animais e despertou a necessidade da educação ambiental para combater o fogo e a ignorância. Os causadores desse desastre ambiental não sabiam, mas estavam a poucos metros da estrada que circunda o parque.

Sem querer e sem saber, ou querendo e sabendo até demais o quanto está praticando um crime, o homem é o agente causador dos incêndios e queimadas que empobrecem nossas matas. É uma ponta de cigarro que voa da janela do carro para o campo seco à beira da estrada; é um balão colorido em rota incerta; é a queima da cana, o roçado mais fácil de fazer, o vandalismo como expressão de força e ocupação de terrenos.

Quem diria que um dia a nascente do Rio São Francisco fosse secar? Quem diria que os reservatórios da Região Sudeste um dia estariam à míngua? A qualidade da água depende da qualidade das florestas, que, por sua vez, dependem da qualidade dos cidadãos brasileiros. Precisamos, urgentemente, nos reeducar.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.