Estamos avançando na inclusão de crianças e jovens na educação básica
Em um momento do País em que notícias desalentadoras nos assolam, o lançamento do Anuário da Educação Brasileira 2016, do Todos pela Educação e Editora Moderna, no início deste mês, nos traz motivos para comemorar.
O mesmo País que explicita o lado intolerante, homofóbico e machista de sua população, o descaso (ainda que disfarçado) de seus governos face à pobreza -- tudo isso, ao lado de vergonhosos indicadores educacionais -- vem recorrentemente se destacando em esportes paralímpicos e apresenta, como evidencia o Anuário, resultados bastante positivos de inclusão, na educação básica, de crianças e jovens com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades.
A despeito de todos os problemas da educação brasileira, esse é um importante indicador que amplia significativamente as possibilidades de inserção social e produtiva dessas crianças e jovens.
Os dados apresentados referem-se ao período 2007–2014, portanto, "pré-fim do mundo". Mas, ao contrário de outras conquistas sociais obtidas nesse mesmo período, essa não se esvai em função de crise econômica e política que vivemos. Trata-se de conquista social perene, que coloca esses jovens como igualmente protagonistas na demanda por melhor educação para todos. Neste caso, passar a fazer parte do “todos” é ganho relevante.
Para além do aumento das matrículas na educação básica no período considerado, o que mais chama a atenção é a desconcentração dos alunos na educação infantil: passou de 16% para 8% do total. A redução na quantidade de alunos nesse segmento foi de 30%. Já nos ensinos fundamental e médio, o crescimento de matrículas foi de respectivamente 40% e 230%.
Tudo isso mostra uma tendência à regularização no fluxo escolar desses alunos, com a concentração migrando para o ensino fundamental e mais estudantes chegando ao ensino médio. Mais que isso, a proporção de estudantes em classes comuns, inclusivas, ampliou-se significativamente no período, em detrimento de classes especiais. E, contrariando o senso comum, o maior percentual está no ensino médio: em 2014, 95% dos alunos com deficiência no ensino médio estudavam em classes comuns, enquanto esse percentual era de 83% no ensino fundamental e 75% na educação infantil.
Como bem sabemos, até muito recentemente, boa parte desses estudantes, especialmente aqueles com deficiência mental/intelectual, quando frequentavam escola, ficam retidos na educação infantil ou nos primeiros anos do ensino fundamental, até desistirem. Dificuldades de acessibilidade a crianças e jovens com deficiência visual, auditiva, motora e física também sempre foram fatores de alijamento da escola. E aqueles com transtornos globais de desenvolvimento, ou com altas habilidades, na maior parte das vezes acabavam também alijados por serem considerados “problema” – “atrapalham a classe”. Ainda que sob diferentes justificativas, esse rótulo sempre foi aplicado a todos os que destoam do chamado “normal”.
Mas por que tudo isso vem acontecendo? O que mudou? Temos aqui um caso emblemático de uma conjunção de fatores que atuam de forma sinérgica, definindo tendência de transformação da sociedade. E o melhor de tudo isso é somos partícipes desse processo.
Entre tais fatores, diversos acordos internacionais sobre direitos das pessoas com deficiência, dos quais o Brasil é signatário, com certeza contribuíram para “abrir a cabeça” de nossos governantes, de lideranças da sociedade civil e de pessoas em geral. Os próprios movimentos de direitos humanos e de educação para todos também contribuíram para a constituição desse ambiente favorável. Famílias organizadas e demandantes constituem-se em forte segmento de pressão, que têm ressonância na opinião pública e no mundo político. Políticas públicas ativas, com a definição de normas e de um arcabouço legal, que culmina com a Lei Brasileira de Inclusão (LF 13.146/2015). Em outro plano, mas também importante, está o papel das novas tecnologias, que permitem a criação de soluções específicas e efetivas para acessibilidade e recursos para a facilitação e personalização da aprendizagem.
Os avanços são inegáveis. E a tendência é que se aprofundem. Mas as dificuldades são muitas. Estamos apenas começando. Muita formação de professores é necessária. Muita atenção e empenho são requeridos. Mas o melhor disso tudo é que o que vale para esses alunos, vale para todos. Uma escola inclusiva é uma escola melhor para todos. Não apenas pelo que a convivência nos ensina, mas também pelo lado mais “técnico”: o trabalho de inclusão realizado pela equipe escolar a torna mais proficiente para trabalhar com todos os demais alunos. Sem dúvida, o começo é difícil. Mas vale a pena.
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