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História geral

Império Carolíngio - origens - Das bases da dinastia Merovíngia a Carlos Martel

Gilberto Salomão

(Atualizado em 27/06/2014, às 17h16)

O reino que deu origem à França atual nasceu da invasão dos francos, um dos vários povos bárbaros germânicos que, a partir do século 4, penetraram no espaço do antigo Império Romano do Ocidente.

Desde o final do século 3 a historiografia registra ações de pirataria dos francos na costa do Mar do Norte, adentrando regiões da Gália romana. Incapaz de detê-los, vivendo um processo de enfraquecimento, o Império Romano havia estabelecido acordos com eles, admitindo-os dentro de seu território, chegando mesmo a conceder, a alguns chefes guerreiros francos, postos de comando no exército, como Merobaudo, que se tornou general do imperador Valentiniano.

A intensificação das invasões bárbaras e o consequente enfraquecimento definitivo do império abriram espaço para que todas as regiões da Gália fossem sendo ocupadas pelos francos. Coube a um chefe legendário, chamado Meroveu, impor-se sobre os demais chefes francos, estendendo sua hegemonia sobre toda a Gália.

Tal poder, entretanto, não foi aceito sem reação dos demais chefes. Foi somente o neto de Meroveu, chamado Clóvis, que conseguiu impor, no final do século 5, sua autoridade efetiva sobre todos os demais chefes, sendo reconhecido como o primeiro rei dos francos. Sua origem, enquanto neto de Meroveu, que teria dado início a esse processo de unificação, deu nome à dinastia por ele fundada, a mais antiga dinastia monárquica da França: a merovíngia.

Conversão ao cristianismo

A unificação das terras ocupadas pelos francos sob o poder de Clóvis só foi obtida em função de um dado fundamental para que se compreenda a própria natureza do reino franco e sua importância ao longo da Idade Média. O povo franco, notadamente Clóvis, foi o primeiro entre os povos germânicos a compreender que seria impossível sua fixação nas regiões do antigo Império Romano sem o apoio - ou ao menos a aceitação - das populações nativas, majoritárias em termos numéricos. Para obter essa aceitação, Clóvis viu-se obrigado a compor politicamente com uma das poucas instituições remanescentes do império, a qual já detinha uma forte ascendência sobre grande parte de sua população: a Igreja Católica.

A mitologia cristã salienta um episódio no qual Clóvis teria tido um sonho, decisivo para sua conversão ao cristianismo. O que existe de fato é a certeza de que a conversão de Clóvis ao cristianismo, em 496, e a consequente aliança que ele estabeleceu com a Igreja, foi, essa sim, decisiva para a afirmação de sua autoridade. Foi a partir do apoio da Igreja e dos cristãos da Gália que Clóvis pôde derrotar os demais guerreiros francos, impondo-se como rei.

Organização social dos povos germânicos

Entretanto, a partir daí, uma série de características dos povos germânicos foram decisivas para que a monarquia não conseguisse manter um mínimo de centralização efetiva ao longo das décadas seguintes. Mas para uma melhor compreensão dessa situação temos de, primeiramente, compreender a forma original de organização desses povos.

As sociedades germânicas haviam evoluído de uma estrutura tribal para a formação de agrupamentos guerreiros, centrados na figura de um chefe que comanda guerreiros livres, os quais se submetem por vontade própria à autoridade daquele que é reconhecido como o indivíduo com maiores condições de comandá-los. Sendo fundamentalmente guerreiros, seus vínculos eram basicamente militares.

Não conhecendo uma estrutura institucional de Estado, esses vínculos assumiam um caráter estritamente pessoal, forjado em juramentos de fidelidade e obediência por parte dos guerreiros, em troca da proteção que lhes era concedida pelo chefe. Essa forma de organização chamava-se comitatus, ou grupo de guerra, e teve importante influência na formação da sociedade feudal.

A necessidade militar, ligada às conquistas que fazem parte do processo de destruição do Império Romano, levou a um processo de organização desses agrupamentos guerreiros. Longe de um Estado, tal como é concebido atualmente, o que se formou, de um modo geral, foi uma autoridade central, fundamentalmente militar, caracterizando um poder que, em termos genéricos, chamamos de "monárquico". Entretanto, esse poder real era exercido com fortes limitações, submetido ao prestígio pessoal do monarca e à Assembleia de Guerreiros, detentora, em última análise, do poder efetivo.

A manutenção desse princípio pessoal de relacionamento faz com que o vínculo entre o rei e os chefes guerreiros mantenha as mesmas características herdadas do comitatus. Os guerreiros submetem-se ao rei pelos mesmos juramentos de fidelidade e obediência, enquanto o rei se obriga a garantir proteção e comando militar.

Bases da nobreza feudal

Esses traços mesclam-se a um aspecto econômico comum aos vários povos germânicos: o fato de terem na agricultura sua atividade básica, sendo o comércio praticamente desprezível. Assim, a questão militar assumiu um papel de sobrevivência cotidiana, ligada à defesa da terra geradora do alimento do qual eles necessitavam.

Mais que isso, os chefes guerreiros, num processo de conquista, assumiam uma condição de conquistadores da própria possibilidade de sobrevivência, o que colocava as massas de trabalhadores não guerreiros sob sua direta dependência. Com isso, criou-se uma situação na qual a posse da terra articulou-se necessariamente à capacidade de defendê-la, relegando a massa de não guerreiros à condição de trabalhadores braçais, produtores do alimento em troca da terra e da proteção recebida.

Essa relação gerou uma nítida diferenciação social, entre aqueles que trabalham e aqueles que guerreiam, constituindo estes últimos uma elite social e econômica, detentores da terra e do que havia de força militar. Estavam lançadas as bases para a constituição da nobreza feudal.

Descentralização política

Por outro lado, as relações entre esses guerreiros e as autoridades superiores também se fundaram nessas mesmas necessidades e princípios. Considerando-se o rei como autoridade militar suprema, sua condição, em última análise, é a de detentor de todas as terras. Para efetivar a defesa, ele concedia a outros chefes guerreiros o comando de parte dessas terras, além da proteção, mas exigindo, em troca, um juramento de fidelidade, obediência e serviço militar às necessidades do rei.

Supondo-se que esse juramento inclua, apenas como um exemplo, que este chefe militar apresente-se ao rei com o auxílio de um determinado grupo de guerreiros armados, ele terá de ter esses guerreiros submissos a ele, da mesma forma que ele é submisso ao rei. Daí a necessidade de ceder-lhes parte de suas terras - e assim sucessivamente.

Com isso, criou-se uma estrutura de verticalização das relações políticas e militares. No topo da hierarquia encontra-se o rei, vinculado a chefes guerreiros, os quais se vinculam a outros e assim por diante, num processo cujo efeito final é o estabelecimento de inúmeros domínios pessoais sempre submetidos a uma autoridade superior.

Foram esses vínculos que deram origem às relações de suserania e vassalagem, base fundamental das relações entre a nobreza medieval. O próprio Clóvis dividiu o reino em províncias às quais ele o deu nome de condados, nomeando nobres guerreiros, condes, para administrá-las. Com isso, verificou-se uma tendência à descentralização política, tendência essa que se acentuou nas décadas seguintes.

Outro aspecto a ser considerado é que, com base no velho costume, segundo o qual o rei é o detentor de todas as terras, o reino passava a ser considerado um bem pessoal, passível de herança como qualquer outro bem. Assim, era natural que o rei dividisse seus domínios entre seus filhos, quando se aproximava da morte.

Os major domus e as invasões islâmicas

O hábito franco de que o herdeiro fosse coroado aos 12 anos de idade, portanto ainda inexperiente para governar, levou ao surgimento dos Administradores do Palácio, ou Prefeitos do Palácio, os Maires du Palais, uma espécie de primeiro-ministro, oriundos de ricas famílias aristocráticas e homens fortes do poder real. Esse título, já num momento posterior, em que a herança da influência romana voltou a ser forte, passou a ser conhecido em sua forma latina: major domus.

Dessa forma, tendo seu poder esvaziado pela dispersão entre os chefes locais e pela autoridade crescente dos major domus, o poder do rei tendeu a se tornar meramente decorativo, tanto que os últimos reis merovíngios ficaram conhecidos pela designação de reis indolentes. Seu poder era meramente formal, como chefe militar supremo, condição que numa época de paz não lhe granjeava qualquer autoridade efetiva.

Ao mesmo tempo, ao manter vínculos com a nobreza guerreira, coletar tributos e controlar o pouco que havia de administração do reino, o major domus passava a ser a autoridade efetiva. Tal situação atingiu seu ponto mais agudo nas primeiras décadas do século 8, tendo como elemento impulsionador a invasão árabe sobre o território franco.

Como sabemos, impulsionados pela religião islâmica, os árabes haviam iniciado, desde o século 7, um amplo processo de conquistas. Contando com a decadência dos impérios Persa e Bizantino, e com a fragilidade dos reinos bárbaros - descentralizados no sul da Itália, no norte da África e na península Ibérica -, os muçulmanos conseguiram, num intervalo de um século após a morte de Maomé, conquistar um gigantesco domínio, que culminou com a conquista da península Ibérica, em 711.

A partir daí, o alvo inevitável seria o reino Franco, situado logo a norte. A liderança dos exércitos francos contra os árabes coube, no entanto, não ao rei, mas sim ao major domus Carlos Martel.

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